Você não pode me culpar

Essa canção do Jack Johnson sempre me fascinou, mesmo antes de eu conhecer sua letra. Na verdade esse disco inteiro - o "On and On", de 2003 - sempre mexeu comigo. Sempre que escuto ele me vem uma série se pensamentos e misturas de sensações numa indescritível viagem. Deve ser pelo tom levemente triste que o disco carrega. E esse tom domina essa canção com uma letra formidável e uma instrumentação perfeita. Chama-se Cookie Jar, ou "Pote de Biscoitos" e logo você entenderá o motivo. Segue a letra:




Cookie Jar
(Johnson)

I would turn on the tv
But it's so embarrassing
To see all the other people
I don't know what they mean
And it was magic at first
When they spoke without sound
But now this world is gonna hurt
You better turn that thing down
Turn it around

Well it wasn't me says the boy with the gun
Sure i pulled the trigger but it needed to be done
Because life's been killin' me ever since it begun
You can´t blame me cause i'm too young

You can´t blame me, sure the killer was my son
But i didn't teach him to pull the trigger of the gun
It's the killing on his tv screen
You can't blame me, it's those images he sees

Well, you can't blame me says the media man
Well i wasn't the one that came up with the plan
And i just point my camera at what the people wanna see
Man it's a two-way mirror and you can't blame me

You can't blame me says the singer of the song
Or the maker of the movie which he based his life on
It's only entertainment and as anyone can see
It's smoke machines and make-up, man, you can't fool me

It was you
It was me
It was every man
We all got the blood on our hands
We only receive what we demand
And if we want hell then hell is what we´ll have

And i would turn on the tv
But it's so embarrassing
To see all the other people
Don't even know what they mean
And it was magic at first
But let every one down
Now this world is gonna hurt
You better turn it around
Turn it around

Vamos à andança...

A canção do brother Jack Johnson começa genial até no título. "Cookie Jar" é uma brincadeira de escola que envolve uma canção em que os participantes cantam algo do tipo: "Quem roubou o biscoito do pote? Eu não, você não? Então quem foi?" Seria como o nosso "Fulano roubou pão na casa do João". Em Cookie Jar, Johnson usa essa inocente brincadeira pra construir uma crítica primorosa sobre nossa sociedade. Afinal, a idéia de que "a culpa não é minha" é mais presente no nosso dia à dia do que parece. Mas para começar a viagem vale a pena observar alguns detalhes instrumentais. Começa com uma levada no violão densa e perfeitamente dedilhada pelo surfista. Suas cordas subindo e descendo já preparam sua mente pro terreno árido e melancólico que se seguirá. Ao fundo há uma excelente percussão, quase inaudível de tão suave - um contraste perfeito com a maravilhosa bateria de lata que aparece em momentos decisivos. Ela entra, solta batidas ecoantes e logo some, ficando o violão solitário o único a continuar conduzindo a viagem. O clima criado é denso justamente por tratar desse tipo de letra: a crítica à sociedade e à banalização dos problemas alheios. Jack começa cantando, suavemente: "Eu ligaria a TV, mas é tão embaraçoso ver as outras pessoas - eu não entendo o que eles dizem. Era como mágica no começo, quando falavam sem som, mas agora esse mundo vai doer. É melhor abaixar o volume". Nessa primeira estrofe, o surfista usa como narrador alguém qualquer, talvez ele próprio. Já nas próximas estrofes, Johnson usa três personagens para ilustrar uma história de asssassinato. O primeiro a aparecer é o próprio assassino se defendendo. Veja o que ele diz:

"Não fui eu, diz o garoto com a arma.
Sim, eu puxei o gatilho, mas foi preciso
Porque a vida têm me matado desde o começo.
Você não pode me culpar pois eu sou muito novo"


Após mais um momento instrumental maravilhoso, Jack passa a assumir o papel de um dos pais do rapaz, mas a idéia geral ainda e parecida. Veja o que ele diz:

"Você não pode me culpar. Sim o assassino foi meu filho
Mas eu não o ensinei a puxar o gatilho da arma.
A matança está na tela da TV
Você não pode me culpar, são as imagens que ele vê"


Sensacional até aqui. Mas Johnson não pára, e agora seu violão aponta para o próximo culpado, o cara da TV. Veja o que ele diz:

"Você não pode me culpar, diz o homem da mídia.
Bem, não fui o único a participar do plano
E eu só aponto minha câmera para o que as pessoas querem ver
Cara, é um espelho de duas faces, você não pode me culpar"


Afinal, a culpa não é de ninguém? Ou é de todo mundo? Ninguém quer a culpa, mas o fato é que ela pertence tanto ao jovem, quanto a seus pais, quanto a mim e quanto a você. Uma vez um mestre de Kung Fu disse pra mim: "Para o mal vencer, basta o bem não fazer nada". Se alguém fez um mal, é porquê não foi feito o bem suficiente antes. Se você teve chance de ajudar alguém e não ajudou, involuntariamente acabou fazendo o mal. E no mundo que vivemos há muito mal sendo feito. Culpa de todos nós. Por isso faça o bem. É isso que Jack Johnson quer dizer nessa sensacional canção. Em outra estrofe ele diz: "Foi você, fui eu. Foi cada homem. Todos nós temos sangue nas mãos. Nós só recebemos o que procuramos, e se quisermos o inferno é o inferno que teremos". Cabe a nós essa última decisão. Queremos um inferno ou queremos um paraíso? Pessoalmente eu fico com a resposta do Jack que encerra a obra: "Esse mundo vai doer, então é melhor melhorá-lo" ;)

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