É Pra Rir ou Pra Chorar?

Tá comemorando o quê? Tá chorando por quê?

Ah, as eleições... Ao contrário de qualquer evento cultural ou esportivo que tende a unir as pessoas, do fanático futebolista até o mais cético e ignóbil dos apreciadores como eu próprio, que me dividi ao meio na Copa do Mundo - metade à favor do Brasil, metade contra os gastos absurdos para a realização do evento - as eleições geralmente tendem à fazer o contrário: dividir as pessoas e coloca-las em uma verdadeira guerra verbal (às vezes, infelizmente, armada). A pergunta que faço com esse texto é, como o próprio título da canção do Gabriel o Pensador, por quê? Segue a letra:




É pra Rir ou pra Chorar?
(Pensador)

O Brasil proclamou sua independência,
Mas o filho do rei é que assumiu a gerência.
O povo sem estudo não dá muito palpite,
E a nossa república é só pra elite.
(E quem faz greve o patrão ainda demite).
É pra rir ou pra chorar?

O Brasil aboliu a escravidão,
Mas o negro da senzala foi direto pra favela.
Virou um homem livre e foi pra prisão.
Só que a tal da liberdade não entrou lá na cela.
(E a discriminação ainda é verde e amarela).
É pra rir ou pra chorar?

O Brasil foi parar na mão dos militares,
Que calaram o povo no tempo da ditadura.
Torturaram e prenderam e mataram milhares,
Mas ninguém foi condenado pelos crimes de tortura.
(E tem até torturador lançando candidatura).
É pra ri ou pra chorar?

O Brasil conseguiu as eleições diretas,
Mas a gente que vota ainda é semi-analfabeta.
O Collor foi eleito e roubou até cansar.
O povo deu um jeito de cassar o marajá.
(Mas ele não foi preso e falou que vai voltar!)
É pra rir ou pra chorar?

O Brasil tem mais terra do que a china tem chinês,
Mas a terra tá na mão dos grandes latifundiários.
A reforma agrária, ninguém ainda fez.
Ainda bem que os sem-terra não são otários.
(E tudo que eles querem é direito a ter trabalho).
É pra rir ou pra chorar?

O Brasil tem miséria mas tem muito dinheiro,
Na mão de meia dúzia, no banco suíço.
O rico sobe na vida feito estrangeiro,
E o pobre só sobe no elevador de serviço.
(E você aí fingindo que não tem nada com isso?)

É pra rir ou pra chorar?
O Brasil tem um povo gigante por natureza
Que ainda não percebe o tamanho dessa grandeza.
Sempre solidário no azar ou na sorte,
Um povo generoso, criativo e risonho.
Poderoso, e tem um coração batendo forte
Que põe fé no futuro do mesmo jeito que eu ponho.
E vai ter que ser independência ou morte.
Um por todos, e todos por um sonho.
É pra rir ou pra chorar?
É pra ir ou pra voltar?
Pra seguir ou pra parar?
Pra cair ou levantar?
É pra rir ou pra chorar?
Pra sair ou pra ficar?
Pra ouvi ou pra falar?
Pra dormir ou pra sonhar?
É pra ver ou pra mostrar?
Aplaudir ou protestar?
Construir ou derrubar?
Repetir ou transformar?
É pra rir ou pra chorar?
Pra se unir ou separar?
Agredir ou agradar?
Pra torcer ou pra jogar?
Pra fazer ou pra comprar?
Pra vender ou pra alugar?
Pra jogar pra perder ou pra ganhar?
Dividir ou endividar?
Dividir ou individualizar?
É pra rir ou pra chorar?!

Dê o play e comece a viagem:



Vamos à andança...

Sim, estatisticamente o PT ganhou, o PSDB perdeu. Mas a verdade é que os poderosos continuam no poder. PMDB continua no bastidor e os deputados e vereadores continuarão trabalhando pouco, ganhando muito e desviando tudo. Os pobres continuam pobres. Os ricos continuam ricos. Embora a cor possa ter quase mudado, nada mudou. E dificilmente mudará. E não pense que se o azul prevalecesse sobre o vermelho as coisas seriam melhores. Não é tão simples assim. Há muita coisa por trás do jogo de poder. Coisas terríveis e arrepiantes só de pensar. Mas para resumir de forma fácil, como bem disse um grande amigo meu: político é que nem cerveja - podemos reclamar do sabor de uma ou de outra, mas no final das contas é tudo Ambev. Políticos são todos integrantes de uma mesma família. Mudam os nomes dos partidos porque a democracia exige, mas o único objetivo comum do grupo é beneficiar à si próprio. O problema é que há muita gente que acaba acreditando no marketing de campanha e criando uma expectativa alta demais. Marketing é tudo. Com 74 bilhões de reais disponíveis, ele é capaz até de vender gelo para esquimó ou te convencer à comer cocô e gostar. Eu sou profissional da área, eu sei como é, acredite. O balanço final dessa eleição é não só mais 4 anos de ilusão, como também uma sensação de ódio entre pessoas. O pior: esse ódio foi plantado pelos próprios políticos. Sim, é verdade. Quem criou a diferença entre esquerda e direita foram eles que precisavam de partidos com ideologias diferentes no papel, tudo em prol do teatro armado que é nossa democracia. Quem criou a diferença entre norte e sul do Brasil foram eles também, que no passado administraram mal nosso território para beneficiar, adivinha quem?, eles próprios e nada fazem para mudar o cenário. E, por mais que pareça difícil de crer, quem criou a diferença entre ricos e pobres, também foram eles. Afinal, com a riqueza que o Brasil produz e sua capacidade econômica, o fato de haver pobres aqui é mais questão de necessidade política do que consequência natural. É feio pensar assim, mas se não houvessem pobres, por quem os políticos alegariam lutar?

"A Democracia venceu"

Eleição é sinônimo de problema. Mas a principal encrenca dessas eleições foi que eles conseguiram colocar o povo contra si próprio. O que vai sair disso dá até medo de pensar. Vejo eleitores PSDBistas chorando, arrancando os próprios cabelos como se tivessem realmente perdido a chance de salvar o Brasil. Talvez eles realmente acreditassem nisso, mas a verdade é que nada ou muito pouco mudaria com o PSDB no poder. Os pobres continuariam pobres. Os ricos continuariam ricos. Os políticos continuariam roubando e o sonho de um Brasil mais justo e próspero continuaria só na nossa bandeira. Frustrados com o "quase" que essa eleição trouxe, eles xingam e ofendem seus próprios amigos ou conterrâneos. Vejo PTistas felizes da vida, rindo à toa como se o Brasil tivesse levado à Copa do Mundo em vez daquela lavada da Alemanha em casa. Essas pessoas ajeitam os óculos, abotoam suas camisas e estufam o peito para dizer que o Brasil continuará crescendo como tem feito o PT há mais de uma década. Essas pessoas, muitas delas auto-intituladas "intelectuais", esquecem que nesses 12 anos de governo petista os pobres continuaram pobres (apesar das estatísticas propositalmente desatualizadas "provarem" o contrário), os ricos continuaram ricos e os políticos roubaram tanto quanto seria de se esperar deles. Eles dizem que a Democracia venceu, mas eu não vejo o povo saboreando a vitória. Olhando para trás, nesses 20 últimos anos, infelizmente nada mudou. O povo ainda sofre de fome, falta de trabalho, emprego, saúde e violência. Como diria Gabriel, o Pensador, nessa canção tão significativa, é pra rir ou pra chorar? Temos um país que sofre e sangra por tantos males, dentre os quais a corrupção é sem dúvida a mãe, e nosso povo prefere brigar entre si em vez de brigar com o governo. Ao invés de defender seu candidato ou partido com a costumeira cegueira que acomete os tolos, por quê não direcionar essa raiva aos nossos "representantes"? Não aceite tudo que seu candidato ou partido alega. Não se esqueça de que, antes de mais nada, ele busca ajudar a si próprio. Saudades daquele inverno de 2013, agora tão distante, quando o povo, mesmo que por um único momento, se uniu e brigou por algo em comum: a justiça. Depois daquele misterioso episódio, o governo fingiu que nada aconteceu, Dirceu e Genoíno saíram da cadeia e o Tiririca, Feliciano e Bolsonaro foram eleitos. É pra rir ou pra chorar? Nada mudou e nada mudará tão cedo enquanto não mudarmos nosso jeito de encarar a política: como um trabalho e não como um time de futebol. E você, está comemorando o quê? Está chorando porquê?

"O Brasil conseguiu as eleições diretas,
Mas a gente que vota ainda é semi-analfabeta.
O Collor foi eleito e roubou até cansar.
O povo deu um jeito de cassar o marajá.
Mas ele não foi preso e falou que vai voltar!
É pra rir ou pra chorar?"

(Gabriel, o Pensador)

Pelo visto o Pensador também é profeta. Não é que o marajá voltou? ;)

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