Tempo

Indefinido e perfeito

Como prometido, depois que Santana e Juanes usurparam a postagem sobre o Jarabe de Palo com seu clipe indescritível e versão sensacional de La Flaca, aqui vai a análise exclusiva sobre o Jarabe, banda espanhola de sotaque cativante e música ótima. Essa canção faz parte do terceiro disco deles, "De Vuelta Y Vuelta", lançado em 2001. Segue a letra:




Tiempo
(Donés)

Tiempo es una palabra
que empieza y que se acaba
que se bebe y se termina
que corre despacio y que pasa deprisa.

Tiempo es una palabra
que se enciende y que se apaga
ni se tiene ni se atrapa
no se gira ni se para.

El tiempo no se detiene
ni se compra ni se vende
no se coge ni se agarra
se le odia o se le quiere.

Al tiempo no se le habla
ni se escucha ni se calla
pasa y nunca se repite
ni se duerme y nunca engaña.

Tiempo para entender, para jugar, para querer
tiempo para aprender, para pensar, para saber.

Un beso dura lo que dura un beso
un sueño dura lo que dura un sueño
el tiempo dura lo que dura el tiempo
curioso elemento el tiempo.

El tiempo sopla cuando sopla el viento
el tiempo ladra cuando ladra el perro
el tiempo rie si tu estás riendo
curioso elemento el tiempo

Dê o play e comece a viagem:



Vamos à andança...

Desde quando comecei a postar sobre os Orishas mencionei a importância de eu ter ido até a Austrália para curiosamente me aprofundar muito na música latina. Não é que lá toque qualquer coisa em espanhol. Não toca. Mas há tantos latino-americanos vivendo lá, em especial, colombianos, que fica quase impossível não mergulhar em ritmos latinos e versos em espanhol. Fica ainda mais difícil quando se namora uma colombiana. E a minha me trouxe, de presente, o Jarabe de Palo com seu rock tranquilo, bem feito e viajante. La Flaca, é claro, foi a canção que me fisgou de vez para a banda, mas há várias outras de nível altíssimo na carreira do grupo. Uma delas é essa Tiempo que traz não só um ritmo delicioso com uma reflexão irresistível. Afinal, falar do tempo é quase tão difícil quanto discorrer sobre o amor. Afinal, este último ao menos existe cientificamente, já o tempo, nem isso. Pode parecer loucura, mas o tempo, como bem disse um dos maiores loucos do mundo, é relativo. Einstein percebeu que, mesmo que tentemos calcular o tempo com fórmulas e funções e variáveis, nada pode definir o tempo. Temos uma convenção social de tratar o tempo como 24 horas para uma melhor adaptação ao nosso planeta, que funciona em turnos de luz e sombra, ou mais convenientemente, dia e noite. Mas nomear algo não faz dele real. O tempo praticamente não existe, ainda mais se quebrarmos nossas cabeças pensando em quantos bilhões de milhares de anos nosso planeta tem. Tudo o que conhecemos e somos é menos que uma vírgula na vasta bibliografia que é a história do universo.

Somente um surrealista mesmo, para conseguir dizer algo coerente sobre o tempo

Pensando nesse bonito paradoxo com o qual somos obrigado a conviver do nascimento até a morte, Jarabe de Palo criou uma canção alegre que mistura contemplação com divertimento ingênuo de quem pára e admira o tempo. Com uma batida firme, Pau Donés e sua guitarra começam a reflexão: "Tempo é uma palavra que começa e se acaba, que se bebe e se termina, que corre devagar e anda depressa". Com a base já formada, contagiante, ele continua: "O tempo não se detém, nem se compra e nem se vende, não se pega ou se agarra, é algo que se odeia e se quer". Ciente da impossibilidade de definir precisamente o tempo, ele termina com a ajuda de seus backing vocals: "Curioso elemento, o tempo". E curiosos ficamos nós ao parar e pensar a respeito. O que é o tempo afinal? Dizer simplesmente passado, presente e futuro é pouco. Aliás, como diria o Guerreiro Pacífico, passado e futuro não existem, a não ser em nossas mentes como memórias e projeções. Segundo eles, o presente é a única coisa real, o momento chave, onde tudo faz sentido, mesmo sem nenhuma explicação. É a hora da verdade, da vida ou morte, como um guerreiro num duelo, quando estamos realmente despertos para a vida e a enxergamos total atenção e dedicamos à ela toda devoção que ela merece. O Jarabe também vai por essa linha de raciocínio, com os versos: "O beijo dura o que dura um beijo, o sonho dura o que dura um sonho". Não há segundos ou minutos para medir um beijo, um sonho ou um momento único qualquer. Eles duram o quanto duram. São presentes enquanto existem e, além deles, nada existe, naquele instante. Essa é a mágica do tempo. Nosso mistério e inspiração. Enquanto um rapper segue descrevendo os versos com ainda mais energia, nós utilizamos a nossa para curtir a música que dura - exatamente - uma música ;)

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