Proposta Sinistra

O crucial momento de decisão

Já faz um bom tempo que não comento sobre uma das melhores bandas que existe: Creedence Clearwater Revival. Descobri essa canção recentemente, quando ganhei o CD "Green River" (1969) dos meus pais que deram um pulo lá na terra dos caras. Não pude deixar de sentir uma certa curiosidade sobre essa canção, devido ao seu tom digamos, bastante sinistro. Segue a letra:




Sinister Purpose
(Fogerty)

When the sky is gray
And the moon is hate
I'll be down to get you
Roots of earth will shake

Sinister Purpose
Knocking at your door
Come and take my hand

Burn away the goodness
You and I remain
Did you see the last war?
Well, here I am again

Sinister Purpose
Knocking at your door
Come and take my hand

I can set you free
Make you rich and wise
We can live forever
Look into my eyes

Sinister Purpose
Knocking at your door
Come and take my hand

Dê o play e comece a viagem:



Vamos à andança...

Proposta Sinistra é, como era de se esperar uma canção sinistra. Desde a voz de John Fogerty até o ritmo hipnótico e a guitarra aguda, tudo remete ao macabro. Diferente, porém de outras bandas que tratam do assunto, como Black Sabbath, por exemplo, o Creedence não viu necessidade de efeitos sombrios e vozes assustadoras para transmitir o clima de medo e tensão. Fizeram tudo como sempre faziam: um rock and roll empolgante e viajante, adicionando somente um leve eco na voz de Fogerty. É uma canção que quase passaria despercebida para quem não estivesse prestando atenção na letra. Para quem pegasse uma linha por acaso, porém, o resultado com certeza seria um dos dois: fascínio ou medo. No meu caso, tive um pouco dos dois. Sinto medo das coisas sombrias, mas não posso negar que tenho curiosidade sobre elas. Talvez esse seja o modo como meu cérebro decidiu lidar com o sobrenatural. Ele tenta, de algum modo, compreender do que se trata, para reduzir o medo ao máximo e fortalecer o meu espírito e a fé no lado bom do universo. É com esse fascínio que ouço Sinister Purpose do Creedence. Na canção, Fogerty encarna alguma entidade de outras dimensões e que traz ao seu interlocutor (seríamos nós, ouvintes?) a tal proposta sinistra. Ele diz: "Quando o céu estiver cinza e a luz for ódio, eu descerei para te buscar e as raízes da terra tremerão". Logo após, vem o refrão: "Proposta sinistra batendo à sua porta, venha e pegue minha mão". Ao ouvir esse "take my hand" dito pelo cantor é impossível não associar à N.I.B. do Sabbath, canção bastante parecida em seu teor e que viria a ser lançada no ano seguinte. Seria o Creedence uma influência para o grupo do Ozzy Osbourne? Parece que sim. Após o refrão, a guitarra frenética ganha destaque, nos envolvendo mais e mais em suas teias obscuras, porém apaixonantes. Mais à frente ele contnua, no mesmo baçanço excepcional: "Queime a bondade. Eu e você permanecemos. Você ouviu a última guerra? Bem, aqui estou eu de novo". Com mais um refrão delirante, agora com direito à um solo bastante viajante, quase no nível de Ramble Temble, porém com uns bons cinco minutos à menos, descobrimos finalmente qual é a proposta do título: "Eu posso te libertar. Te fazer rico e sábio. Podemos viver para sempre, olhe nos meus olhos". O malígno narrador, seja ele quem for, quer propôr nada mais do que o dilema que aparece quase todos os dias na vida de um ser humano: fazer o mal e colher suas tentadoras recompensas ou seguir no difícil e aparentemente pouco premiador caminho do bem? Somos testados a todo momento e cabe, unicamente à nossa presença de espírito respondermos sim ou não. Somos tentados pelo prazer momentâneo de um amante ou e pela promoção no trabalho às custas de uma demissão alheia. Somos tentados pelo troco errado até mesmo por aquela vaga na garagem do prédio que ninguém precisa saber que não pagamos. O caminho sinistro é aparentemente mais promissor e tenho absoluta certeza que muita gente se dá bem por esta via. Aceitam a proposta, se tornam ricos e sábios. Muitos até vivem para sempre, imortalizados pela fama. Eu, pessoalmente, evito seguir por essa trilha devido à um minucioso exame de consciência. Assim como meu cérebro testa minha coragem, envolvendo-se em assuntos macabros como essa canção ele também testa minha auto-crítica em vários momentos do dia. A qualquer momento essa auditoria descobre que eu fiz algo errado ou que deixei de fazer algo certo (o que dá no mesmo), levo uma bronca daquelas e corro atrás do prejuízo. Não sei por que ele faz isso, mas gosto dele assim. Acho até que ele deveria ser mais rigoroso e não me deixar escapar nem em nenhum momento de preguiça ou raiva momentânea. Creio que ele faz isso por acreditar em Deus ou numa vida após morte onde as coisas mundanas não serão tão importantes quanto o amor e a bondade. Ele se inspira em heróis que vieram antes e jamais fraquejaram. E, pensando neles, ele ouve a Proposta Sinistra, sorri e tranquilamente diz: "não" ;)

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