Pra escapar da política, só em um plano espiritual mais elevado
Logo que cheguei em Perth, há mais ou menos oito meses atrás, ouvi falar de um show bastante interessante para os brasileiros que vivem desse lado do mundo. Tratava-se de um show do Rappa Cover. Infelizmente não pude ir naquela ocasião, mas já consegui comparecer à uma das apresentações dos caras aqui. Eles são realmente bons e me fizeram lembrar do magnífico show do Rappa que vi ano passado. Parando pra pensar é bastante intrigrante saber que há uma banda brasileira cover do Rappa em Perth. No mínimo uma honra para a banda original, eu diria. Poucas bandas - talvez nenhuma - tenha conquistado um feito do tipo. Movido pela energia desses caras, vamos viajar num som do primeiro disco deles, "O Rappa", de 1994. Segue a letra:
Candidato Caô-Caô
(Yuka/Falcão/Silva)
Ele subiu o morro sem gravata
Dizendo que gostava da rapa
Lá na vendinha bebeu cachaça
E até bagulho fumou
Foi no meu barracão e lá usou
Lata de goiabada como prato
Logo percebi, é mais um candidato
Às próximas eleições
Fez questão de beber água da chuva
Foi lá na macumba pediu ajuda
Bateu cabeça no Congar, deu azar
A entidade que estava incorporada
Disse: esse político é safado
Cuidado na hora de votar, também disse:
Meu irmao, se liga no que eu vou te dizer
Hoje ele pede o seu voto
Amanhã manda a polícia lhe prender
Nesse país que de divide
Em quem tem e quem não tem
Sempre o sacrifício cai no braço operário
Eu olho para um lado, eu olho para o outro
Vejo desemprego e vejo quem manda no jogo
E você vem, vem, pede mais de mim
Diz que tudo mudou e agora vai ter fim
Mas eu sei quem você é, ainda confia em mim?
Esse jogo é muito sujo mas eu não desisto assim
Você me deve!
Você me deve seu canalha aloprado
Você me deve malandragem
Fez questão de beber água da chuva
Foi lá na macumba pediu ajuda
Bateu cabeça no Congar, deu azar
A entidade que estava incorporada
Disse: esse político é safado
Cuidado na hora de votar, também disse:
Meu irmao, se liga no que eu vou te dizer
Hoje ele pede o seu voto
Amanhã manda a polícia lhe bater
Se liga meu irmão
Político é cerol fininho
Político engana todo mundo
Menos o caboclo
Ele deu azar na macumba do caboclo
Vamos à andança...
Dê o play e comece a viagem:
Quando eu completei 18 anos e adquiri o direito - ou talvez mais corretamente dizendo - a obrigação de votar, decidi que votaria sempre nulo. Naquela época minha rebeldia sem causa me fez economizar tempo memorizando números de candidatos nas eleições, sempre tão desinteressantes para mim. Conforme cresci, amadureci, estudei e aprendi com os mestres da vida, percebi o quão errado eu estava. Afinal, o voto era minha única arma contra a corrupção. Se eu continuasse votando nulo, estaria meio que facilitando o caminho para os corruptos chegarem ao poder. Passei então a procurar cuidadosamente algum político que prestasse. Isso durou apenas uma ou duas eleições. Cresci mais, aprendi mais, li mais e descobri que o voto nulo era, de fato, o melhor que eu podia fazer pelo meu país. E é isso que eu faço desde então. Não acredito que haja ao menos um político honesto. Muita gente me diz que devo escolher o candidato "menos pior". Me recuso à escolher o que rouba menos. Quem rouba 5 reais age tão mal quanto quem rouba 1 milhão. Na verdade são ambos muito parecidos - a diferença está somente na oportunidade. Não escolho candidato menos pior. Muita gente me diz que há, sim, políticos sérios e honestos, dispostos à fazer um trabalho decente. Não sou tão seguro quanto à essa afirmação e não é só por que nunca achei um diplomata do tipo. Se há algum ser exemplar no plenário, ele é tão invisível que não tem poder para fazer nada além de observar seu gordo salário aparecer em sua conta como que num passe de mágicas. Em Tropa de Elite, Capitão Nascimento diz: "na polícia ou o soldado se omite, ou se corrompe ou vai para a guerra". Na política essa terceira opção inexiste. E votar em um político omisso que nada vai fazer pelo país é o mesmo que entregar as ovelhas para os lobos. Pare e pense. Estamos escolhendo uma pessoa que vai "trabalhar" meio período em 3 dias da semana, sem chefia ou supervisão, sem metas ou objetivos e em troca vai receber um salário que, com todos os benefícios (e são muitos) ultrapassa os seis dígitos. Por que é que essa pessoa vai lutar pelo resto do país? Na minha humilde visão, o político se torna corrupto quando aceita esse salário sabendo que não precisará fazer nada para recebê-lo. Se Nelson Mandela recusou um salário tão alto, por que eles nao podem seguir o bom exemplo? É por isso que me recuso à escolher algum. Se os políticos brasileiros fossem voluntários trabalhando de graça, por amor à pátria e à política, talvez eu deixasse de usar os números 00 para votar. Voto nulo com orgulho, assim como Johnny Cash vestia preto, num luto eterno à sociedade. Ao menos O Rappa entende o que eu digo. É nessa canção que eles dizem a verdade nua e crua: "Político engana todo mundo". Em certo ponto da canção, Bezerra da Silva - convidado mais que especial - pergunta em tom malandro e indignado: "Você já ganhou duzentas vezes na loteria?". Pois é exatamente assim que um político vive. É de Da Silva, aliás, um dos trechos mais denunciativos e interessantes da obra. Com uma guitarra furiosa ao fundo e o ritmo forte, o lendário sambista proclama: "Nesse país que de divide
Em quem tem e quem não tem sempre o sacrifício cai no braço operário. Eu olho para um lado, eu olho para o outro, vejo desemprego e vejo quem manda no jogo e você vem, pede mais de mim, diz que tudo mudou e agora vai ter fim. Mas eu sei quem você é, ainda confia em mim? Esse jogo é muito sujo mas eu não desisto assim". Ao final, o cantor, junto com Falcão repetem: "Você me deve!" E estão certíssimos. Políticos nos devem. Não só respeito, mas recursos. Somos nós que demos à ele os empregos dos sonhos. Que que custa fazer só um pouquinho pelo povo? Se eles enganam todo mundo com propagandas e campanhas eleitorais, há pelo menos um que está à salvo da pilantragem, justamente por estar em outro plano espiritual, à anos luz de qualquer ganância e avareza. Trata-se de um caboclo do candomblé presente na canção: o único capaz de visualizar e entregar o político corrupto nessa divertida e tão verdadeira letra. "Cuidado na hora de votar", é o que o mestre diz. Eu tomo todo cuidado do mundo. É por isso que voto nulo ;)
Coloquei "Político" no Google Imagens e essa foi a primeira imagem que apareceu. Justo.
Logo que cheguei em Perth, há mais ou menos oito meses atrás, ouvi falar de um show bastante interessante para os brasileiros que vivem desse lado do mundo. Tratava-se de um show do Rappa Cover. Infelizmente não pude ir naquela ocasião, mas já consegui comparecer à uma das apresentações dos caras aqui. Eles são realmente bons e me fizeram lembrar do magnífico show do Rappa que vi ano passado. Parando pra pensar é bastante intrigrante saber que há uma banda brasileira cover do Rappa em Perth. No mínimo uma honra para a banda original, eu diria. Poucas bandas - talvez nenhuma - tenha conquistado um feito do tipo. Movido pela energia desses caras, vamos viajar num som do primeiro disco deles, "O Rappa", de 1994. Segue a letra:
Candidato Caô-Caô
(Yuka/Falcão/Silva)
Ele subiu o morro sem gravata
Dizendo que gostava da rapa
Lá na vendinha bebeu cachaça
E até bagulho fumou
Foi no meu barracão e lá usou
Lata de goiabada como prato
Logo percebi, é mais um candidato
Às próximas eleições
Fez questão de beber água da chuva
Foi lá na macumba pediu ajuda
Bateu cabeça no Congar, deu azar
A entidade que estava incorporada
Disse: esse político é safado
Cuidado na hora de votar, também disse:
Meu irmao, se liga no que eu vou te dizer
Hoje ele pede o seu voto
Amanhã manda a polícia lhe prender
Nesse país que de divide
Em quem tem e quem não tem
Sempre o sacrifício cai no braço operário
Eu olho para um lado, eu olho para o outro
Vejo desemprego e vejo quem manda no jogo
E você vem, vem, pede mais de mim
Diz que tudo mudou e agora vai ter fim
Mas eu sei quem você é, ainda confia em mim?
Esse jogo é muito sujo mas eu não desisto assim
Você me deve!
Você me deve seu canalha aloprado
Você me deve malandragem
Fez questão de beber água da chuva
Foi lá na macumba pediu ajuda
Bateu cabeça no Congar, deu azar
A entidade que estava incorporada
Disse: esse político é safado
Cuidado na hora de votar, também disse:
Meu irmao, se liga no que eu vou te dizer
Hoje ele pede o seu voto
Amanhã manda a polícia lhe bater
Se liga meu irmão
Político é cerol fininho
Político engana todo mundo
Menos o caboclo
Ele deu azar na macumba do caboclo
Vamos à andança...
Dê o play e comece a viagem:
Quando eu completei 18 anos e adquiri o direito - ou talvez mais corretamente dizendo - a obrigação de votar, decidi que votaria sempre nulo. Naquela época minha rebeldia sem causa me fez economizar tempo memorizando números de candidatos nas eleições, sempre tão desinteressantes para mim. Conforme cresci, amadureci, estudei e aprendi com os mestres da vida, percebi o quão errado eu estava. Afinal, o voto era minha única arma contra a corrupção. Se eu continuasse votando nulo, estaria meio que facilitando o caminho para os corruptos chegarem ao poder. Passei então a procurar cuidadosamente algum político que prestasse. Isso durou apenas uma ou duas eleições. Cresci mais, aprendi mais, li mais e descobri que o voto nulo era, de fato, o melhor que eu podia fazer pelo meu país. E é isso que eu faço desde então. Não acredito que haja ao menos um político honesto. Muita gente me diz que devo escolher o candidato "menos pior". Me recuso à escolher o que rouba menos. Quem rouba 5 reais age tão mal quanto quem rouba 1 milhão. Na verdade são ambos muito parecidos - a diferença está somente na oportunidade. Não escolho candidato menos pior. Muita gente me diz que há, sim, políticos sérios e honestos, dispostos à fazer um trabalho decente. Não sou tão seguro quanto à essa afirmação e não é só por que nunca achei um diplomata do tipo. Se há algum ser exemplar no plenário, ele é tão invisível que não tem poder para fazer nada além de observar seu gordo salário aparecer em sua conta como que num passe de mágicas. Em Tropa de Elite, Capitão Nascimento diz: "na polícia ou o soldado se omite, ou se corrompe ou vai para a guerra". Na política essa terceira opção inexiste. E votar em um político omisso que nada vai fazer pelo país é o mesmo que entregar as ovelhas para os lobos. Pare e pense. Estamos escolhendo uma pessoa que vai "trabalhar" meio período em 3 dias da semana, sem chefia ou supervisão, sem metas ou objetivos e em troca vai receber um salário que, com todos os benefícios (e são muitos) ultrapassa os seis dígitos. Por que é que essa pessoa vai lutar pelo resto do país? Na minha humilde visão, o político se torna corrupto quando aceita esse salário sabendo que não precisará fazer nada para recebê-lo. Se Nelson Mandela recusou um salário tão alto, por que eles nao podem seguir o bom exemplo? É por isso que me recuso à escolher algum. Se os políticos brasileiros fossem voluntários trabalhando de graça, por amor à pátria e à política, talvez eu deixasse de usar os números 00 para votar. Voto nulo com orgulho, assim como Johnny Cash vestia preto, num luto eterno à sociedade. Ao menos O Rappa entende o que eu digo. É nessa canção que eles dizem a verdade nua e crua: "Político engana todo mundo". Em certo ponto da canção, Bezerra da Silva - convidado mais que especial - pergunta em tom malandro e indignado: "Você já ganhou duzentas vezes na loteria?". Pois é exatamente assim que um político vive. É de Da Silva, aliás, um dos trechos mais denunciativos e interessantes da obra. Com uma guitarra furiosa ao fundo e o ritmo forte, o lendário sambista proclama: "Nesse país que de divide
Em quem tem e quem não tem sempre o sacrifício cai no braço operário. Eu olho para um lado, eu olho para o outro, vejo desemprego e vejo quem manda no jogo e você vem, pede mais de mim, diz que tudo mudou e agora vai ter fim. Mas eu sei quem você é, ainda confia em mim? Esse jogo é muito sujo mas eu não desisto assim". Ao final, o cantor, junto com Falcão repetem: "Você me deve!" E estão certíssimos. Políticos nos devem. Não só respeito, mas recursos. Somos nós que demos à ele os empregos dos sonhos. Que que custa fazer só um pouquinho pelo povo? Se eles enganam todo mundo com propagandas e campanhas eleitorais, há pelo menos um que está à salvo da pilantragem, justamente por estar em outro plano espiritual, à anos luz de qualquer ganância e avareza. Trata-se de um caboclo do candomblé presente na canção: o único capaz de visualizar e entregar o político corrupto nessa divertida e tão verdadeira letra. "Cuidado na hora de votar", é o que o mestre diz. Eu tomo todo cuidado do mundo. É por isso que voto nulo ;)
Coloquei "Político" no Google Imagens e essa foi a primeira imagem que apareceu. Justo.
Comentários