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7 Frases Inspiradoras do Charlie Brown Jr

Charlie Brown Jr é uma das bandas de Rock que mais marcou os brasileiros. Seu som virtuoso e letras emocionantes fazem parte da nossa cultura. Se você viveu a adolescência nos anos 90 e 2000 sabe o que foi o Charlie Brown em nossas vidas.

Separei aqui as 7 frases mais inspiradoras da banda.




Um novo prazer: Ler e Ouvir O Senhor dos Anéis

Há alguns meses assisti, talvez pela décima vez, a trilogia O Senhor dos Anéis.

Sou grande fã da obra de J. R. R. Tolkien e tenho um carinho especial por esses filmes. Não apenas gosto da história ou dos personagens, mas me sinto realmente como um integrante da Terra Média quando o primeiro (e melhor, na minha opinião) filme começa.



Logo nos primeiros minutos, quando o velho Gandalf chega no Condado e encontra Frodo eu já quase consigo tocar as plantações de abóboras e sentir os pés na grama daquele lugar especial tão aconchegante.

Eu poderia citar dezenas de motivos pelos quais amo essa história. Poderia mencionar meu gosto pelo medievalismo e por jogos de RPG, poderia lembrar que li os livros pela primeira vez com uns 15 anos e pela segunda vez com 17. Poderia discorrer sobre minha visita à Nova Zelândia, onde eu procurei vários dos cenários usados no filme. Poderia passar horas engrandecendo essa obra e dizendo o quanto sou grato à ela por ela ter permitido deixar minha imaginação voar e aflorar. Mas para não deixar o texto longo e enfadonho, vou apenas relembrar que, das poucas vezes em que chorei depois de adulto, uma delas foi vendo As Duas Torres.

"Você não chorou no nosso casamento, mas chorou quando o Rei Theoden lamentou a morte do filho", minha esposa gosta de provocar. Eu dou aquele sorriso amarelo e fico sem resposta. É verdade, afinal.

O Rei Theoden chorou e eu chorei com ele. 3 lágrimas. Consegui contar.

Nessa última visita à Terra dos Hobbits, Elfos, Anões e Humanos decidi que queria ler os livros mais uma vez. Já fazia mais de 10 anos, afinal. Por que não mergulhar novamente na aventura literária que deu origem aos filmes que eu tanto aprecio?



Tirei então meu exemplar de 2002 da prateleira. Aquele com a capa ilustrada do Gandalf, quando o filme ainda nem tinha saído do papel. As páginas levemente amareladas só davam ainda mais charme para o livro.

Comecei a ler.

Agora, porém, o mundo era outro. Distante e diferente daquele 2004, quando eu havia deixado aquelas páginas de Tolkien pela última vez.

Agora o mundo tinha internet de alta velocidade e de forma constante. Praticamente como água encanada.

Agora o mundo tinha músicas à vontade em qualquer lugar, sem a necessidade de comprar discos ou aparelhos para reproduzi-los.

E assim descobri uma nova experiência: ler O Senhor dos Anéis e ouvir O Senhor dos Anéis. Como? Com essa ambientação criada pelo canal Ambient Worlds. O produtor dos vídeos, provavelmente tão medievalista quanto eu, pega as canções de filmes e games de fantasia e cria uma versão mais longa que ele mescla com delicadeza à sons ambientes de natureza, chuva, vento e por aí vai. A imersão fica ainda maior.


Gosto tanto dos vídeos desse canal que já se tornou um costume aqui em casa deixarmos uma das canções rolando enquanto tomamos café ou conversamos. É relaxante e inspirador.

Confesso que ler os livros de Tolkien com a trilha sonora estendida do Condado ao fundo tornou-se um novo prazer da vida. Daqueles mais simples e, portanto, mais especiais. Sempre que posso agora eu pego meu livro, sento na poltrona e deixo a trilha sonora magistral de Howard Shore complementar minha aventura ao lado de Gandalf, Aragorn, Frodo e meus outros heróis.

Não dá para ouvir e não se sentir acolhido pela alegria contagiante e pela ingenuidade bonita do povo do Condado. Experimente!


O inspirador blues brasileiro de Gustavo Andrade

Nunca consegui me afastar por muito tempo de um blues.

Tem momentos que eu me enveredo pela MPB.

Ocasiões em que eu me perco nos ritmos latinos do momento.

Mas nunca consigo me afastar por muito tempo de um bom blues.

Não dá.

É como diz o Made in Brazil: "Não consigo ficar triste. O Blues levanta o astral".



E por falar em Brazil, já faz um tempo que meu player tem andado enfeitiçado pelo blues do brasileiro Gustavo Andrade.

Conheci o som dele por acaso - se é que isso existe - enquanto montava uma Playlist dedicada ao Blues Brasileiro no Spotify.

Comecei pelos nomes que eu conhecia: Fernando Noronha, Nuno Mindelis, Blues Etílicos, Irmandade do Blues, Igor Prado.

Quando fui atingindo os limites do meu parco conhecimento, comecei a fazer o que os colecionadores fazem melhor: cruzar informações. Esse é ainda um dos melhores jeitos de descobrir boas bandas e sons. Já era fácil fazer isso na época dos LPs e CDs. Era só ler os nomes dos músicos da banda e pesquisas sobre eles para descobrir uma infinidade de outras bandas tão excelentes quanto aquela que serviu de ponto de partida.

Com o Spotify a coisa ficou fácil a ponto de parecer ridículo.

Com literalmente um clique, saí então do mestre da gaita Jeferson Gonçalves e cheguei a um disco chamado Explosion Blues, no qual os vocais pertenciam a um cara de timbre manso e estiloso. Gostei de cara: era o Gustavo.



Fui mais a fundo e descobri que o músico é um veterano da cena do blues nacional. Uma daquelas pérolas tão próximas e tão distantes que faz com que um texto introduzindo-o soe um tanto quanto contraditório e estranhamente real na nossa cultura.

Recentemente foi às Lives do Instagram um projeto chamado 1º Festival Internacional de Música em Casa. Como muitos que estão aparecendo o evento virtual buscou aproximar músicos de seus fãs em momentos de confinamento e isolamento social. Um alívio e tanto para a alma. Muito bem vindo, o evento pegou pesado nos músicos de blues que, em shows de 30 minutos cada, preencheram todo o fim de semana dos dias 28 e 29 de março.

Nem preciso dizer que corri a ver o Gustavo Andrade e não me decepcionei. Ali estava o cara carismático de voz ligeiramente rouca e riffs impressionantes na guitarra.

Uma de suas maiores obras (e a principal a repetir no meu player) chama-se Playing My Blues e, para minha sorte, foi tocada no pequeno show, rendendo um momento de pura viagem e alegria, capaz de nos fazer esquecer - ao menos por alguns minutos - de tanta tragédia à nossa volta. Se lá fora o coronavírus aterrorizava o mundo e nos deixava ansiosos e preocupados com relação ao futuro, ao menos em meio àquele riff lento, pesado e triste como só um bom blues pode fazer, toda angústia deu lugar à esperança e toda tristeza virou a mais pura e revigorante alegria de viver.

O vírus mata, mas o blues salva. Sempre salva.

Confira aí Playing My Blues:


Quando a música faz bem para a saúde. Conheça minha "Playlist da Cura"

Como a música (e algumas outras coisas) me ajudaram a superar uma crise de ansiedade

Imagem de Pexels por Pixabay


Há alguns meses passei por um momento conturbado da vida.

Começou como um problema profissional. E, como geralmente acontece, acabou virando um problema de saúde.

Nada grave - já alerto - e agradeço a preocupação.

Apenas um pouco de ansiedade acima do normal.

Sabe como é. A gente trabalha, é responsável, quer fazer as coisas direito e bem feito. Às vezes até demais. Não sabemos dizer não. Queremos abraçar o mundo. Queremos mostrar para todos que somos capazes. Queremos provar para nós mesmos que conseguimos.

Que não somos fracassados.

Mas até que ponto isso é necessário?

No meu caso aprendi que, se eu não colocar um limite, o corpo colocará.



E ele colocou. Acelerou meu coração, hiperventilou, me deixou zonzo e desesperado. No começo, e como é comum entre as pessoas que passaram por algo parecido, achei que ia morrer. Pior: tinha certeza! Eu não sabia o que fazer com aquela falsa percepção do final da minha breve vida e quanto mais pensava naquilo, mais o desespero aumentava.

Eu rezava, mas parecia que ninguém estava ouvindo. Eu procurava ouvir músicas, mas não conseguia prestar atenção às melodias. Minha cabeça voava e não conseguia se desvencilhar das garras do pânico.

Achei que ia ficar louco.

Mas eu estava enganado.

Havia sim alguém ouvindo minhas preces.

Foi então que me agarrei com força aos ensinamentos que aprendi na vida. De Jesus a Buda. De Senhor dos Anéis ao Caminho do Guerreiro Pacífico.

E pouco a pouco - cada passo era um esforço colossal e cada dia pareciam eras - eu fui saindo daquele deserto assustador e retornando à minha casa: ao momento presente, onde a felicidade é plena e a alegria de viver raramente é esquecida.

Não foi um caminho fácil ou direto. Ao contrário, se assemelhava mais a um labirinto. Em muitos momentos achei que tinha chegado ao fim apenas para descobrir que, na verdade, me sentia muito próximo do estágio inicial. Mas eu tinha algumas cartas na manga. E Deus, que estava sim ouvindo tudo, colocou ali, alguns coringas também.

Usei todos os recursos que estavam ao meu dispor.

Alguns já eram ensinamentos antigos, guardados em algum local empoeirado da memória. Eu só precisava lembrar deles.

Outros foram ensinamentos reciclados, reconstruídos, adaptados ao novo momento da minha vida.

Alguns outros foram completamente novos, com novos mestres e novas formas de aprender e conhecer a mim mesmo. Enquanto os deuses me presenteavam com um punhado de novas e preciosas lições, mais uma vez, me vi escrevendo tudo que aprendia num caderninho de bolso, como fiz há muitos anos atrás.

E um desses antídotos que reaprendi a usar foi justamente esse.

Aqui.

Esse blog e tudo que em que ele se baseia: a alegria de ouvir uma boa música.

Depois de abandonar meu velho blog por pouco mais de 1 ano, retorno à casa apenas para descobrir - ou melhor: lembrar - que a música sempre foi um canal direto entre eu e o Supremo.

Imagem de Shahariar Lenin por Pixabay


Deus está em tudo, é claro.

Mas Ele se revela se formas diferentes para cada um, acredito. E sempre se revelou para mim na música.

Sempre.

Não foram poucos os milagres que presenciei enquanto tinha um fone no ouvido.

E, olhando agora, não consigo identificar ao certo em que momento deixei de prestar atenção aos versos.

O que importa agora é que percebi o quão longe estive do caminho.

E comecei a prestar atenção de novo.

Fui juntando e anotando as canções que me ajudavam. Que me faziam bem. Que me enchiam de coragem para vencer o medo. Que me enchiam de amor.

Como um colecionador aficionado por seu ofício, resgatei toda e qualquer canção que tinha o poder de me fazer escutar a voz dos deuses.

Algumas foram fáceis de achar. Foi só pensar um pouco a respeito. Outras deram mais trabalho para serem localizadas. E algumas outras foram aparecendo na vida enquanto a coleção era montada. A coleção está longe do fim. Cada vez que identifico uma nova e poderosa canção, corro para o Spotify e a adiciono à lista.

Batizei-a de "Para Ouvir Todos os Dias às 7h". Uma forma bem didática de me lembrar de escutá-la ao máximo. Se possível pela manhã, para me preparar adequadamente ao dia. Para não me desviar do caminho. Para, como dizia Stephen King e seus pistoleiros, "não esquecer o rosto do meu pai".

Deixo aqui então à você, querido leitor, a minha Playlist da Cura. Não restrita a um gênero específico, ela inclui de Rocks modernos como Killers e Incubus a salsas icônicas de Célia Cruz e Marc Anthony. De O Rappa a Jason Mraz. E muitos outros portadores dos deuses. O ouvinte atento perceberá na lista uma presença maior de Jorge Ben. Não é por menos. Se existiu algum bardo que conhece a fundo a alegria de viver, só pode ter sido ele. E destaco também uma canção especial do Gabriel o Pensador, que parece ter sido escrita para todos que passaram pelo que passei.

Espero que essa Lista te faça tão bem quanto faz à mim.

Não se apegue à ela, porém. Pegue o que te servir e, se achar necessário, crie sua própria lista. Não se restrinja só à música também. Ela é apenas um canal. Preste atenção ao som da vida. Saiba admirar o silêncio de sua casa e o som majestoso da natureza. Encontre Deus na voz das pessoas que você ama e ame-se com todo o coração.

Boa viagem, todos os dias ;)

Tinariwen Mostra que Não Sabemos Nada do Mundo

Há alguns meses li no excelente blog do Barcinski sobre os melhores álbuns que ele ouviu em 2017.

Dentre a lista figurava um nome um tanto quanto diferente: Tinariwen.


O jornalista descrevia o som do grupo como um blues desértico, "uma música hipnótica e lúdica".

O que mais me chamava atenção, devo confessar, era a vestimenta dos integrantes. Todos enrolados em panos e turbantes, tocando guitarras no meio do deserto. Mas que diacho seria aquilo?

Trata-se de uma banda do Mali. Se você como eu não sabe de cabeça onde fica esse lugar, já adianto: continente africano, hemisfério norte. Bem no meio do calor e muito próximo do Deserto do Saara. Daí a aparência nômade do grupo. Coisa que eu só tinha visto em filmes de aventuras, tipo Indiana Jones.

Como sempre atraído pelo que é diferente, decidi ouvir as canções sugeridas no post. Não demorei à me inspirar pela absurda qualidade musical. Parti então para os discos inteiro e para os vídeos.



Que música esses caras fazem! E que viagem é assistir os vídeos da banda.

Prepare-se para ser transportado para outro mundo. Prepare-se para entrar num portal e sair do outro lado onde tudo é diferente e onde toda beleza se resume à uma simplicidade de viver a vida.

Um mundo onde cavalos são substituídos por camelos. Ruas movimentadas dão lugar ao perigoso e místico deserto.

Canecas de cerveja são substituídas pelo café e o tão confortável inglês é trocado pelo bambara.

Ouça e deixe-se levar. Siga as miragens da sua mente e adentre um deserto de sons, viagens e sentimentos. Não tenha medo. A viagem valerá a pena. Disso você pode ter certeza.



Quando achar que está perdido demais, é que a coisa fica melhor. É aí que as guitarras surgem pesadas, fazendo um equilíbrio impecável com a tranquilidade do batuque e da voz.

É o tipo de som para se ouvir, se possível sentado numa poltrona bem confortável, com a cabeça encostada, no gatilho para sonhar. Uma postura que te permita flutuar. Pirar.

Tinariwen. Uma banda do Mali que só veio aqui para te mostrar o quanto o mundo é grande e bonito e questionar por que ainda cismamos em ignorar a maior parte do que ele tem para oferecer.

Não sabemos nada do mundo. Mas com Tinariwen agora sabemos um pouco mais. Que eles nos inspirem a adentrar o deserto do desconhecido e provar os néctares misteriosos que ali encontrarmos ;)

Relembrando Chris



Momento 1

Eu tinha uns 15 anos. Estava na escola. Provavelmente intervalo entre aulas. Eu gostava de Rock, mas era limitado, teimoso e mente fechada. Uma amiga estava cantarolando algum som que eu provavelmente viria a gostar no futuro, mas que fiz questão de dizer como era ruim.

Ela fez uma careta, retrucou qualquer coisa e eu sentei na frente dela. Olhei seu fichário e havia ali em uma das divisórias, escrito com Liquid Paper, a letra de uma canção. Percebendo minha curiosidade ela me emprestou os fones e colocou a música.

- Legal - eu disse com desprezo, levantei e fui embora.

Foi assim que eu conheci Like a Stone.





Momento 2

Eu tinha uns 17 anos. Já era uma prática comum gravar CDs com as músicas que você quisesse, como a gente fazia com as fitas K7 no passado. Apesar disso, ainda era novidade gravar um CD no formato MP3. Era preciso um disc man especial para tocar esse tipo de mídia, mas a vantagem era que, num único disco, você podia colocar umas 100 músicas ou mais.

Eu já gostava de mais bandas além de Beatles e U2, mas ainda conhecia pouco do mundo. Talvez querendo me ajudar a descobrir sonoridades boas, meu primo me gravou um desses discos em MP3. Foi assim que ouvi com calma e mente aberta uma das músicas mais poderosas da vida. Nunca me esqueci. Era uma pedrada. Algo bom e diferente. Algo que eu precisava. Era difícil acreditar que alguém no mundo conseguisse cantar como aquele vocalista.

Foi assim que eu conheci Show Me How to Live




Momento 3

Eu tinha uns 19 anos e arrumei um estágio em um estúdio de design. Lá o rádio vivia ligado na Kiss FM e, dessa forma, conheci várias bandas boas. De vez em quando alguém trazia um CD. Foi assim que ouvi, pela primeira vez, um trabalho solo do Chris Cornell. Eu já era viciado em canções como Show Me How to Live, Like a Stone e Be Yourself, mas eram todas músicas do Audioslave. Nem imaginava que o cara poderia ter discos solo.

Era um disco ao vivo e acústico e, por mais que a palavra "acústico" não tivesse nada a ver com Cornell num primeiro momento, me surpreendi muito ao ver como ele encaixava sua voz absurda em canções acompanhadas só pelo violão. Eu não estava lá, mas podia visualizar Chris cantando de olhos fechados, em outra dimensão, amando o que fazia.

Era certamente um cara que cantava com paixão.

Foi assim que conheci Black Hole Sun.




Momento 4

Eu tinha uns 20 anos. Tinha arrumado um emprego bem legal com vários caras que curtiam Rock compartilhando a mesma sala.

Um deles conhecia mais bandas que a Wikipedia e era fanático pelo que rolou nos anos 90. Ele comentou sobre uma reunião de alguns músicos famosos na época para homenagear um amigo falecido. O grupo chama-se Temple of the Dog e tinha nos vocais nada menos que Eddie Vedder do Pearl Jam e Chris Cornell, do Audioslave e Soundgarden.

Foi assim que conheci Hunger Strike.




Momento 4

Eu tinha uns 21 anos. Trabalhava e estudava que nem um camelo, ganhava pouco, mas ainda conseguia um tempinho para jogar o Playstation 2 do meu irmão. Joguei poucos jogos de vídeo-game na vida e a maioria deles foi por causa da trilha sonora. Era o caso aqui. O jogo era GTA: San Andreas. Sim, era aquele jogo politicamente incorreto em que você roubava carros e podia matar quem quisesse. 

Eu não estava nem aí para a possibilidade de roubar ou matar livremente. O que eu gostava mesmo era de pegar algum carro e ficar viajando pelas estradas do cenário enorme do jogo. De tão bem feito que era haviam até rádios a escolher. A que eu sempre sintonizava era a Radio X, onde rolava um Rock dos anos 90. Era só coisa fina. Coisa do tipo de Guns N'Roses, Danzig, Helmet, Living Color e Soundgarden.

Isso aí. Lá estava ele de novo. Chris Cornell na rádio fictícia do meu carro virtual dentro de um jogo. Parando para pensar é preciso um mínimo de qualidade para conseguir essa proeza.

Foi assim que eu conheci Rusty Cage.



Momento 5

Eu tinha uns 25 anos. Gastava boa parte do meu salário em CDs de lojas que já começavam a fechar as portas.

Foi assim que eu conheci Revelations. Escutei esse disco pelo menos umas 5 mil vezes.


Momento 6

Eu tinha 29 anos. Chris Cornell tinha morrido há alguns dias. Encontrei com meus bons amigos num barzinho. Fazia tempo que não nos víamos e tomamos umas cervejas bem geladas.

Na volta um amigo me deu uma carona até em casa. Roqueiro como era, o cara havia preparado uma lista de músicas em homenagem a Chris Cornell. Perguntei se ele havia ficado chateado com a morte do músico.

- Chorei - ele disse.

Uma música bem pesada tocava no fundo. Mesmo assim, naquela hora, eu é que quase chorei.

Foi assim que conheci Outshined.



Foram muito mais que 6 momentos, mas esses são os que me lembro melhor. Momentos em que, não alguém qualquer ou um artigo na internet me disse. Foram momentos em que o mundo me disse.

Me disse que Chris Cornell era o cara.

Esteja em paz, Chris ;)

Show dos Novos Baianos. Uma noite de alegria e aprendizado

Show dos Novos Baianos em São Paulo, 01/09/2017

Muito antes de conhecer o som dos Novos Baianos eu conhecia de nome Moraes Moreira, Baby Consuelo e Pepeu Gomes.

Novos Baianos reunidos. Foto: Divulgação

Sempre fui mais ligado ao Rock. Ou seja, estava sempre rodeado de amigos roqueiros. E como todos amigos roqueiros do planeta, nossa conversa era basicamente sobre bandas, indicações de novas músicas, histórias sobre shows ou onde alguém encontrou um disco raríssimo.

Quando o assunto chegava nas bandas nacionais a coisa ficava feia para mim. Consumidor ferrenho do que vinha de fora, meu conhecimento se resumia a bandas inglesas e norte-americanas. Pior: tudo antigo. A maioria das bandas que eu gostava já tinham acabado há muito tempo. Eu tinha histórias para contar aos amigos, mas se o assunto fugisse daquele limitado círculo, eu passava de contador de histórias à ouvinte.

E nessas audições ouvia vez ou outra o nome de Pepeu Gomes. Não conhecia o cara. Nem sabia que ele tinha tocado nos Novos Baianos. Mas, pelo que eu ouvia, o cara era bom. O descreviam como um semideus da guitarra. O cara que faz o que quer com a música, como diria meu pai.

Pepeu Gomes, o mestre. Foto: Reprodução.

Numa época em que Youtube não passava de uma ideia no subconsciente de algum futuro gênio da internet, eu tinha duas opções: pedir emprestado algum CD do cara ou continuar ouvindo Beatles. Naquele tempo eu ainda era bastante acomodado, confesso, e continuei curtindo minhas bandas de cabeceira.

Muitos anos depois, com o comodismo superado (graças a Deus) por uma curiosidade faminta sobre músicas boas (e não apenas mais Rock, mas de tudo mesmo) acabei finalmente conhecendo os Novos Baianos.

Foi amor à primeira ouvida.

Dei sorte e comecei de cara com o disco Acabou Chorare. Considerado por muitos especialistas como uma obra-prima da música brasileira, o disco é, de fato, uma pérola. Um tesouro diferente de tudo que eu conhecia. Uma alegria pulsante, efervescente que transbordava na poesia cantada com maestria por Moraes Moreira e Baby Consuelo. E a guitarra? Ah, a guitarra. Pepeu era realmente o que meus amigos diziam. Ele não entendia de música. Ele parecia ter inventado a música. Cada solo ou acompanhamento era uma dose de vivacidade indestrutível.

Capa do disco Acabou Chorare, um clássico da música brasileira.

E o mais formidável disso tudo era a mistura. O que eles tocavam? MPB? Bossa-Nova? Samba? Rock? Na verdade eles tocavam tudo isso e muito mais. Até Tango os caras abraçaram. Tudo misturado de um jeito que os gêneros apenas de aprimoram e nunca destoam. Nada parece fora de lugar no som dos Baianos. Tudo é perfeito, redondo e bonito.

E ver isso ao vivo foi mais que um presente.

Não apenas ouvi as excelentes músicas do grupo tocadas ao vivo. Pude conhecer um pouco deles. Pude aprender com eles.

Pude sentir amizade e alegria que permeiam não só as músicas como a própria história da banda, naqueles anos em que eles, despreocupados com o mundo, viviam em comunidade em um sítio. Todos eles, amigos, morando junto e fazendo o que amavam fazer: música boa, de coração.

Ao presenciar ao vivo a perícia de Pepeu Gomes com a guitarra outra lição veio como uma flecha na mente. Afinal ele estava lá. Uma lenda da guitarra. Um cara que dominou plenamente sua arte e dela fez seu ofício. Um cara do Rock que não se prendia à estilos ou gêneros, mas, ao contrário, vivia do que gostava tocando de tudo. Sem preconceito. Sem exigir respeito, mas recebendo-o por onde quer que fosse simplesmente por ser um mestre no que faz.

Novos Baianos ao vivo em São Paulo, 1/9/2017. Foto: Felipe Andarilho

E Baby Consuelo? Se eu já havia há muito tempo me apaixonado por sua voz em canções como A Menina Dança e Tinindo Trincando, qual não poderia ser minha alegria ao vê-la ali? Cantando e dançando, exaltando a mais pura alegria de viver em cada gesto. Exatamente como eu a imaginava quando escutava seus discos.

Um dos momentos mais incríveis da noite foi com a saída temporária de Jorginho Gomes da bateria para assumir o Cavaquinho. Ele nem bem havia secado seu suor e já começou com acordes de Bilhete para Didi, numa versão mais lenta, porém extremamente emocionante. Se no disco a faixa era um exemplo de como os caras dominavam seus instrumentos, ver a música nascendo, crescendo, acelerando e explodindo ao vivo foi uma experiência arrepiante.

A voz de Moraes Moreira não é a mesma. Disso ninguém discorda. Mas o mais interessante é perceber que ninguém estava preocupado com o tom de voz dele. Era tanta energia no palco com o próprio Morais conduzindo um violão delirante que tudo o que o público queria era que aquela festa durasse mais e que cada momento ficasse bem guardado na memória.

Paulinho Boca de Cantor também contribuiu com a viagem sonora deliciosa, emprestando a voz em diversas pérolas, sendo o principal destaque a poética Mistério do Planeta. E falando em poeta, não pode passar batido o fato de a banda reservar um espaço no palco para o compositor da maioria das músicas deles: Luiz Galvão que até soltou a voz em algumas canções e declamou uma bonita poesia.

Mais do que um show, o que vi naquela noite no Espaço das Américas foi uma aula. Um aprendizado completo sobre amar o que se faz sem se preocupar com o resto. Sobre ser quem você é e fazer tudo o que fizer com alegria no coração.

Obrigado Novos Baianos.

O Rock vive. Gasoline Special e Sheena-Ye esquentam quarta friorenta

Duas bandas independentes e autorais - uma de Jundiaí, outra de Goiânia - mostram em pleno inverno impiedoso que o Rock brasileiro ainda tem lenha para queimar

Não deixa de ser curioso notar que foi com um texto sobre a decadência do Rock que conheci a excepcional banda Gasoline Special.


No artigo, tentei rascunhar o cenário atual da música e do Rock no Brasil, chamando o roqueiro para conhecer bandas novas e compartilhar o som que ele apreciasse para que tais bandas se destacassem e atraíssem a atenção da mídia e mantivessem o Rock, senão de volta ao topo das paradas, pelo menos vivo e saudável.

Isso foi em 2015.

Nesses dois anos pouco mudou no cenário musical. Com exceção de que agora temos um par de canções pop latinas bombando (coisa que não acontecia desde que o Maná tocava em novelas e a Shakira cantava em espanhol), o Rock permanece relegado à um nicho cada vez menor de pessoas. Velhas bandas continuam mandando seus clássicos hits ou se aposentando e bandas novas parecem destinadas às calçadas da cidade ou rock bares que insistem em manter a programação.

Em meio à tudo isso não deixa de ser bonito perceber a audácia de quem ainda tenta fazer música boa.

É caso dessas duas bandas: Gasoline Special e Sheena-Ye.

Logo que ouvi, me tornei fã da Gasoline. Seu som é rápido, explosivo e instigante. Coisa que pede para ser ouvida ao vivo. Fiquei então de olho na agenda dos caras. Oriundos de Jundiaí, a banda toca mais para aqueles lados do que para cá, mas a paciência é uma virtude, dizem os sábios. Logo a hora chegaria. E chegou.

Foi no Pico do Macaco. Confesso que não conhecia o lugar que, inclusive, fica próximo da minha casa. De estrutura simples, mais com estilo de estúdio de ensaio do que casa de show, o lugar foi suficiente para abrigar um punhado de roqueiros que vieram curtir o bom e novo Rock numa noite congelante. Gente tão ousada quanto a própria banda, é preciso dizer.

Sheena-Ye abrindo começando a esquentar a noite. Foto: Felipe Andarilho / Divulgação.
Sheena-Ye começou. Conheci o som deles no mesmo dia, pelo Youtube. Curti logo de cara. Guitarra afiada e vocal rasgado é, às vezes, tudo o que um ser humano precisa. O som é rápido, batido forte na bateria. Hard Rock dos bons. E de longe. Veio lá de Goiânia. Quando penso que o cenário de quem vive de música (e de arte em geral) é difícil numa cidade como São Paulo, fico pensando no quão mais complicado deve ser em cidades ainda mais conservadoras como a capital do Goiás, praticamente o berço do Sertanejo clássico.

Isso só torna ainda mais poética a vitória da banda. Afinal, é sim uma vitória realizar um show em cidade estranha sendo uma banda completamente autoral. Tiro meu chapéu para os caras e não resisti agradecer ao guitarrista no final. Se não fosse por caras como eles, estaríamos hoje reduzidos à CDs de Led Zeppelins e AC/DCs. Sem nada novo. Nada diferente para para fazer o sangue acelerar e o coração se sobressaltar, pego de surpresa por algo realmente bom que nunca tinha passado por ali.

Gasoline Special. Paulada atrás de paulada. Foto: Felipe Andarilho / Divulgação.
Logo na sequência entrou a Gasoline Special, hoje um Power Trio violento, capaz de fazer qualquer um estremecer com a guitarra pesada, um baixo avassalador e pancadas certeiras na bateria. Cada riff, cada solo foi enlouquecedor. Rock pesado de qualidade liderado pelo carismático Reverendo André Bode.

Gosto de pensar que, em outras épocas e países, grandes bandas como Guns N Roses e Aerosmith também tocaram em locais pequenos e fechados como aquele, preenchido por um público restrito, mas fiel fã da banda. Hoje essas bandas são lendárias, mas tudo começou ali, naquele porão frio e úmido. Há uma beleza nisso tudo. O Gasoline não começou ali. Já estão na estrada há 10 anos, mas ali estava mais um show. Mais um capítulo da história da banda.

Mais uma vitória.

Pois era quarta-feira. Era frio. Eram bandas autorais.

Sim, foram várias vitórias.

E que venham muitas outras. Pois o Rock não pode parar ;)

Conheça o som das bandas:

Sheena-Ye - Seu Tempo Acabou



Gasoline Special - Rck N Rll

Fernando Noronha, Um Mestre na Minha Casa

Já imaginou como seria receber um dos artistas que você mais admira na sua casa? Veja aqui como o Fernando Noronha, um dos maiores músicos do Brasil, foi parar na minha casa


Esse cartaz que você vê acima se refere à um show que não existiu.

Pelo menos não oficialmente.

Se fosse gravado e lançado, seria um bootleg, um daqueles discos extra-oficiais (forma polida de dizer "pirata"). Mas seria o melhor de todos os bootlegs, pelo menos na minha opinião e, tenho certeza, na das outras 14 pessoas que estavam na Lil' Wilson's Hall.

Wilsinho, o Lil' Wilson e dono do Hall, é meu primo e o show, acredite você ou não, foi na casa dele.

Essa é mais uma daqueles peculiares histórias que acontecem na minha vida e que, aos poucos, eu vou juntando e colocando em livros.

Vamos à ela então.

Há exatos 10 anos conheci o som do Fernando Noronha & Black Soul. Foi com o disco Bring It que levou a outro, depois a outro. Tenho quase todos os álbuns dos caras e, se não tenho algum é por que nunca encontrei pra comprar. São poucos os artistas que conheço que me fizeram chegar nesse ponto de fazer questão de acompanhar tudo que eles constroem. É o caso de nomes como Beatles, Red Hot Chili Peppers e Jack Johnson e a admiração que tenho por esse pessoal é a mesma que tenho pelo Noronha e sua Black Soul. Sem exagero.

(Se você leu Heróis e Anônimos sabe do que estou falando. Se não leu dá uma olhada nesse link para conhecer a obra ;)

Passei esses 10 anos acompanhando a carreira do Fernando Noronha & Black Soul, um grupo de blues lá do sul do Brasil. Os caras eram discretos, mas sempre muito atarefados. Percorriam o mundo levando blues do bom para os quatro cantos. Eu sorria cada vez que ficava sabendo que Noronha e sua trupe estavam na Europa, na Austrália, nos EUA, enfim, qualquer lugar em que houvesse gente afim de ouvir música de qualidade.

Fernando Noronha no evento de junho. Foto: Felipe Andarilho
E eu aguardava, é claro, o grande momento em que eles estariam em São Paulo.

Não é surpresa para ninguém que nosso país não valoriza a cultura. Com exceção do Carnaval e de grande shows patrocinados por empresas midiáticas, pouco espaço sobra para os milhares de artistas que fazem um trabalho sério em diversas áreas.

Em suma, quem curte música do naipe do blues e do jazz por aqui tem que garimpar bem e ir atrás de festivais pouco divulgados em grandes cidades ou bares que resistem aos tempos e mantém uma programação decente.

Assim, esperei alguns anos até finalmente ter a oportunidade de ver Fernando Noronha & Black Soul em São Paulo. Na ocasião o evento tomou lugar no Sesc Ipiranga e aconteceu em 2011. Você pode ter uma ideia de como foi aquela noite nesse texto.

O show do Sesc foi bom, mas nem de longe suficiente. Impossibilitado de ficar em pé ou de consumir cerveja tive que me conter na poltrona para curtir a rápida 1 hora e pouco de show em que o grupo mandou dezenas de canções excelentes, as principais de seu então recém-lançado disco, o excepcional Meet Yourself.



Passaram-se então mais 6 anos até que eu vi no Facebook algo que me chamou atenção.

Fernando Noronha estava em uma viagem pela terra do Blues, o sul dos EUA. Excursionando com seu colega de banda, o tecladista Luciano Leães, a dupla tocou em diversos bares clássicos e visitou cidades lendárias de onde saíram grandes mestres do blues, alguns dos quais hoje seriam esquecidos, não fosse pelo esforço de caras com o próprio Noronha que fazem questão de manter a antiga magia viva.

Noronha pedia no Face, como muitos artistas hoje fazem, um patrocínio para transformar a viagem em documentário. No estilo crowdfunding a campanha prometia algumas recompensas para quem colaborasse com o projeto.

Foi então que vi que a maior das recompensas incluía além do DVD do documentário e alguns outros mimos, um Pocket Show do próprio Noronha.

Seria verdade aquilo? Por um tempo duvidei, mas depois percebi que a coisa era séria. Se você colaborasse com R$1.000 um dos melhores guitarristas do mundo, líder de uma das melhores bandas do Brasil faria um show para você e seus amigos.

O valor era alto, mas nem de longe caro diante da oportunidade que se apresentava. Chamei meu primo, Renato, velho parceiro de aventuras e amante incondicional do bom e velho blues para ver o que ele achava da empreitada.

Estávamos num bar, levemente alegres, quando ele disse o que eu já imaginava:

- É o Fernando Noronha. Vamos nessa!



Assim, fechamos o patrocínio. R$500 para cada era ainda mais fácil de cobrir. Pode ainda parecer caro, mas quando sabemos que é o mesmo valor para um dia de Rock In Rio ou Lollapalooza e que, nestes eventos, você vai conferir show de grandes bandas a pelo menos 1 quilômetro do palco e pagando 10 reais numa lata de Budweiser, o preço está até que bem barato.

Ainda mais quando se trata de um cara que você admira e tem consideração. Bandas do Rock In Rio são, sem dúvida, muito boas. Elas me fazem sacudir a cabeça. Fernando Noronha me faz sentir alegria em viver.

Trata-se de um cara que é bom no que faz e o que ele faz é justamente te colocar para cima quando você o ouve. Um cara que consegue, por meio de um virtuosismo impressionante com a guitarra, transmitir a mais pura graça da vida.

Pois então estava tudo certo.

Fechamos o patrocínio.

E aí começaram as questões logísticas.

Afinal, Noronha é do Rio Grande do Sul e o show seria em São Paulo. Foi preciso encontrar um dia na agenda do músico em que ele estivesse na região para que seu Pocket Show permanecesse financeiramente viável. Surgiu a opção de fazer o evento no dia 25 de junho. Era um dia após um festival de blues em Ilhabela, então já tínhamos o principal, Noronha na área.

Wilsinho, o dono do Hall e Noronha. Foto: Felipe Andarilho
Era preciso então encontrar um lugar, convidar o pessoal e, como eu viria a descobrir depois, correr atrás de uma estrutura minimamente necessária para o evento e também providenciar o transporte do artista. Normalmente essas questões costumam ser um pé no saco. Sei disso porque trabalho com Marketing e, em 10 anos de carreira, nunca vi alguém dizer que o evento saiu 100% conforme planejado e sem stress. O diabo mora nos detalhes e um evento é cheio deles. Aprendi algumas manhas na profissão, mas ainda assim não consigo evitar todas as surpresas.

Mas, já diziam os Beatles, quando se tem amigos a gente consegue as coisas. Meu primo ofereceu sua casa, ou melhor, o salão do seu prédio. Eu tinha um amplificador velhinho, meu primo tinha outro. Um amigo conseguiu um microfone. Outro teve a gentileza de emprestar um pedestal. Fui buscar o mestre em Guarulhos. Cada um levou sua cerveja e, voilá, nosso evento estava pronto.

Se por um minuto senti um mínimo daquele nervoso frio na barriga que aflige qualquer coitado que esteja em cargo de organizar qualquer evento, isso logo se revelou mais uma suave brincadeira da vida quando o show efetivamente começou.

Foram dezenas de pérolas do blues. Hábil músico Fernando usava um pedal de gravação para fazer o som de duas guitarras. Com uma fazia a base, com outra solava como quem nasceu para aquilo. A voz tipicamente grave harmonizava em perfeição com o ritmo envolvente de saloom que o cara fazia. Era difícil assistir e acreditar que toda aquela massa sonora vinha de um cara só. Mas era assim. Como ele fazia? Não sei e nem ouso tentar entender.

Em meio à vários clássicos, algumas da própria carreira. Blues From Hell foi uma delas. Também saíram Changes, Blues for the World e, um dos pontos altos da noite, Ain't no Angel na qual meu primo e eu cantamos como fizemos em poucos shows da vida. Faltaram várias, sim. Mas nada que prejudicasse as mais de 2 horas de apresentação.

(Essa é uma que fez falta:)



Mais à frente, quando vi o Fernando Noronha mandando um som incrível com aquele meu velho amplificador e toda a pequena estrutura que conseguimos, tenho que admitir que fiquei emocionado. O cara estava ali, afinal. Na nossa casa. Tocando um blues para os nossos amigos.

E o melhor de tudo: ele era um dos nossos amigos.

Dono de um hábito que só os melhores bluesman têm, Noronha gosta da prosa. Assim como eu vi B.B. King e Buddy Guy fazendo, lá estava nosso mestre em sua inata humildade, trocando uma ideia. Simplesmente falando. Conversando sobre como descobriu tal canção. Sobre quem era a lenda humana que ninguém conhecia, mas que tinha escrito aquela pérola que ele tinha acabado de tocar.

A cada canção ele falava um pouco. Nos dava pequenas lições de música e a grande lição de que um gênio nunca para de estudar. Noronha é reconhecidamente um dos maiores músicos do Brasil e, mesmo assim, age com uma fome voraz de conhecimento. Está sempre indo atrás de sonoridades, assistindo documentários e, enfim, vendo o mundo por meio da música.

Seu documentário Highway 61: From Chicago to New Orleans é prova disso. Lá estava um cara que curtia música fazendo nada menos que pesquisar, curtir e tocar. Em breve poderemos conferir como foi a viagem pelo berço do blues, afinal, com a ajuda de outros entusiastas como eu e meu primo, Noronha conseguiu atingir a meta de financiamento do filme.

Fico feliz em ter feito uma pequena parte nessa contribuição, mas minha recompensa foi muito maior do que eu esperava.

- É sempre bom o fã distinguir o artista da obra - disse Noronha naquela noite no Lil Wilson's Hall.

Eu concordo.

Mas é muito bom perceber que o cara de quem você é fã pela obra é também um puta de um cara gente boa.

Obrigado Fernando Noronha.

Que venham mais e melhores blues para todos ;)

E para provar que essa história toda é real, esta aí a foto. Eu (esq), meu primo Renato (dir) e o grande Fernando Noronha. Foto: Alexandra Alzate

Agradecimentos especiais à Alexandra Alzate, Clarice Savastano, Wilson Soares, Renato Perazza, Tales Gremen e Luci Lazzaris pela força na organização desse pequeno-mega evento.

50 anos de Sgt. Peppers no mundo e 15 na minha vida

No final de maio o disco dos Beatles, Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, completou 50 anos de vida.

Lançado em 26 de maio de 1967, o álbum é considerado um dos mais importantes da história da música e um dos melhores discos de Rock já produzidos.

Mas será que é pra tanto? Sgt. Peppers é assim tão bom? Sou fã de Beatles há tempo suficiente para realizar uma análise fria da obra e abaixo você vai entender o motivo de tantos títulos honoríficos.

Vamos à andança...


Eram os Beatles

Tratavam-se dos Beatles. Tudo que esses caras faziam era permeado por um hype tremendo. Não era por menos. Eles estavam no auge de suas carreiras. Eles já tinham dominado a América e a Ásia. Já tinham feito 2 filmes e a beatlemania havia se espalhado para literalmente todo canto do mundo. Para piorar (ou melhorar) no ano anterior eles haviam lançado nada menos que Rubber Soul (melhor disco deles na minha opinião) seguido por Revolver. Não era de se estranhar que o público esperasse mais uma obra-prima. Eu é que não queria estar na pele deles naquele tempo. A pressão devia ser imensa. Ou eles surpreendiam o público com mais um disco formidável ou seria criticados até a alma.

Leia também: Rubber Soul, um disco para a vida adulta

O Conceito


A grande genialidade do disco - muito mais do que suas músicas - foi seu conceito. Por mais que Cleiton Heylin em seu bom livro "Sgt. Peppers - Um ano na vida dos Beatles e amigos" tente desqualificar este aspecto da obra, usando inclusive palavras da própria banda, é inegável que Sgt. Peppers inaugurou um estilo de álbum pensado como um todo. Até então discos eram basicamente as canções da banda em uma ordem pré-definida. Em Sgt. Peppers, tudo segue um conceito, ou caso você não concorde com o termo, pelo menos uma direção artística encabeçada por Paul McCartney. A capa do disco, seu encarte, o marketing promocional e viral, as roupas que a banda usava e algumas canções do disco... Enfim, tudo girava em torno dessa mística figura do Sargento Pimenta e sua banda de Corações Solitários. Afinal, quem eram esses caras? De onde eles vinham? Tudo era uma viagem sensorial maravilhosa sem o menor sentido. Isso foi o mais legal do conceito: nada precisava de explicação.

A Capa


Sem dúvida a capa do álbum é um de seus pontos mais fortes. Ideia, mais uma vez, de McCartney, a capa reúne dezenas de figuras famosas que, de certa forma, chamavam a atenção da banda. Numa colagem meio dadaísta a multidão de papel se reúne atrás dos Beatles (devidamente trajados como uma banda itinerante). Completam o quadro muitas flores, cores e até mesmo uma boneca de criança com a camisa estampando um recado para a banda concorrente / amiga: "Bem-vindos de volta Rolling Stones". O resultado é uma explosão visual maravilhosamente confusa, mas que consegue trazer um quê de ordem à composição. O resultado foi tão poderoso que inspirou dezenas de capas de outros artistas, incluindo uma do nosso Zé Ramalho no disco Nação Nordestina.

As Inovações


Nem só de músicas boas foi feito o disco. Sgt. Peppers ainda trouxe uma série de amenidades que só contribuíram para o marketing em cima do disco. A novidade mais importante foi a inserção das letras no encarte. Foi o primeiro álbum a fazer essa prática que é usada até hoje pela maioria das bandas. Além disso o encarte trazia uma parte recortável com um bigode e listras de uniforme militar em tamanho real para que o ouvinte pudesse usar e se sentir ainda mais parte daquela festa bizarra.

Músicas


Talvez o ponto menos importante nessa análise. Não que Sgt. Peppers seja um disco ruim. Muito pelo contrário. É um álbum excepcional. Mas se você ouvir todos os discos dos Beatles e ranqueá-los do melhor para o pior é muito provável que Sgt. Peppers acabe exatamente no meio. De forma alguma isso quer dizer que o álbum é mediano. Estamos falando de Beatles, lembra? Tudo em que eles colocaram a mão acabou de uma forma ou de outra minimamente boa. Mas quando você compete com Rubber Soul, Revolver, Abbey Road e até mesmo o inaugural Please Please Me, é muito fácil acabar para trás.



Sgt. Peppers é um disco muito bom, mas que carrega algumas canções bem mais ou menos. A canção-título que abre o disco é fenomenal e sua reprise no final ainda melhor. With a Little Help From My Friends e A Day in the Life são duas obras-primas por si só. Lucy In The Sky é hipnoticamente boa. Getting Better é um gostoso hino ao otimismo. Lovely Rita é um Rockão viajante dos bons.

She's Leaving Home, Being for the Benefit From Mr. Kite!, When I'm Sixty-Four e Good Morning, Good Morning são canções médias numa escala Beatle (ou seja, ainda infinitamente melhores que a maioria das músicas do mercado). São boas, você raramente pula quando ouve o disco, mas não são aquelas que você quer repetir ou que quer ouvir isoladamente num dia ensolarado com seus fones de ouvido numa caminhada pela vida.



Na Minha Vida

Tenho um lugar especial para o Sgt. Peppers no meu coração. Ganhei o CD de aniversário em 2003, quando eu completei 16 anos. Uma idade emblemática. Tímido e nerd eu era o garoto com poucos (porém fiéis) amigos que preferia o silêncio à festa. Acho que eu estava começando a ficar adulto e não gostava tanto daquilo. Frequentava o colegial, meus últimos anos de escola. O final da minha infância inocente. Eu começava a sair pelo mundo. Gostava de andar pela cidade com meu discman e meu Sgt. Peppers me acompanhou muito nessas caminhadas solitárias, porém felizes. Era na estrada onde eu me sentia realizado. Livre das preocupações e pressões. Livre das desilusões amorosas e dos simulados para o vestibular. Com Getting Better e A Little Help tocando eu sabia que nada tinha a temer. Eu andava, sorria e o quarteto me dizia: fica tranquilo, vai dar tudo certo com uma pequena ajuda dos seus amigos. E tudo realmente deu certo. Mesmo sem saber isso na época, eu respondia: tenho que admitir, está melhorando toda hora.



Respondendo a questão que abre esse texto: Sgt Peppers, o conceito completo, e não só o disco, é realmente um trabalho sensacional. Merece todos os créditos ainda que, movidos pelo hype marqueteiro, alguns soem bastante exagerados.

E que venham mais 50 anos como um ícone da cultura.

[CONHEÇA] Os Absurdamente Bons Metal Covers de Leo Moracchioli

Norueguês virtuoso usa talento para divertir no Youtube

Leo Moracchioli em ação. Foto: Divulgação

Não sou aquele grande fã de Metal Pesado. Gosto sim de muitas bandas do gênero, mas quando a coisa chega num nível muito extremo não consigo me deixar levar. Talvez seja o vocal gutural ou agudo demais, talvez a guitarra tão acelerada que acaba parecendo um MIDI do Mega Drive. Enfim, há algo nos Trash, Doom e Death Metals da vida que eu não consigo gostar.

Apesar disso acabei outro dia ouvindo canções do gênero por horas a fio. Fiquei aqui, no computador, trabalhando e sacudindo a cabeça. E o pior: eu estava rindo.

Rindo. Isso aí.

Trash é lixo. Doom é sofrimento. Death é morte. Da onde afinal podem sair risadas?

De um cara que não leva nada disso a sério, mas tem muita moral para falar. E a moral vem de uma habilidade absurda com a guitarra, bateria e vários outros instrumentos.

Estou falando de Leo Moracchioli.



Talvez você nunca tenha ouvido falar. Eu também não tinha. Mas logo que o conheci, passei aquelas várias horas escutando suas músicas.

E assistindo seus vídeos. Ah, que vídeos bons...

Agora você me pergunta: o que tem de tão especial nesse tal de Moracchioli que me fez não apenas desfrutar um estilo de Rock que não costuma me agradar, mas também viajar nele por horas e o pior: rindo?

Acontece que Moracchioli é um gênio dos instrumentos de Rock. Além disso o cara é talentoso para criar vídeos. Todos seus clipes são  inteligentemente produzidos e bem editados.

E tudo isso por que o cara tem um talento ainda maior do que tudo isso: o humor.

Bom humor.

O Metal é cheio de caras feias, xingamentos e invocações do mal tão batidas quanto exageradas. Ver um cara musicalmente fenomenal, mas muito bem humorado é um alívio para a alma. Você curte o som e sorri dos Metal Covers de clássicos do Rock como Wonderwall do Oasis, Californication do Red Hot e Black Hole Sun do Soundgarden.

Confira a versão Metal de Wonderwall:



Mas talvez as melhores versões sejam das canções Pop que o cara faz. Essas músicas citadas são boas de qualquer jeito e não deixa de ser interessante conferir versões pesadíssimas desses clássicos. Mas ouvir coisas como Shape of You de Ed Sheeran, Don't Speak de No Doubt e Get Lucky do Daft Punk numa versão extremamente pesada e suja é algo espetacular.

Tudo isso só fica ainda melhor com os vídeos.

Neles, o multi-instrumentista encarna seus personagens e faz piada deles e do próprio metal. Uma trança viking na barba em contraste com o óculos de nerd só servem para ajudar a levar tudo ainda mais na risada.

Com uma edição afiadíssima que acompanha de perto cada nota pesada e vocal gutural, o cara aparece tocando instrumentos de criança, vestindo perucas, fazendo paródias (Wonderwall é sensacional) enfim, se deixando levar pela energia da própria música que ele constrói.

Confira a versão Metal de Shape of You (Minha preferida):



Tiro meu chapéu para o cara.

O mundo está cheio de gente que fala demais e faz de menos. Gente que se sente superior por saber um pouco mais ou, pior ainda, por achar que sabe mais.

Ver um cara que toca tão bem quanto grandes guitarristas do mundo usando o que sabe com a única finalidade de divertir é, como dito acima, um alívio para a alma ;)

Confira a versão Metal de Get Lucky:


Só Diga Sim!

Banda acostumada a falar de tristeza ensina com maestria o poder da resiliência

The Cure trazendo mais lições para a vida. Foto: Divulgação

The Cure é uma banda que, na maioria das vezes, enxerga o copo mais vazio do que cheio, se é que me entende. Eles são daquela linha alternativa dos anos 80 que encontrava na música uma forma de colocar pra fora toda sua mágoa, arrependimento, medo e desilusões da vida. Nada de ruim até aí. Afinal, quem não costuma, volta e meia, colocar um som mais melancólico para afinar os sentimentos?

É por isso que é tão interessante ouvir uma música do The Cure que seja exatamente o oposto do que estamos acostumados a ouvir. É o caso de Just Say Yes, canção lançada como single em 2001.

Vamos à andança



Você provavelmente já sentiu isso antes. Talvez você esteja até familiarizado com essa sensação. Ou pior: você até gosta dela. Aquela insegurança, aquele medo que parece bobo. Nada demais, você diz a si mesmo e arranja uma desculpa para não tentar. Estou cansado. Não estou com a roupa adequada. Esqueci de passar um perfume.

Você sabe que é tudo mentira. No fundo sabe. Tudo isso é uma encenação que cai como uma luva para você não se sentir mal ao encarar a verdade. A verdade é que você é um covarde. Você tem medo de não dar conta. Pensa que vão te achar um babaca. Acha que é pior do que o cargo que estão oferecendo. Ou que não vai conseguir segurar as pontas sozinho, naquela viagem.

Você é um bom ator. Age normalmente na frente dos outros. Consegue convencê-los de que te tudo sob controle.

Nenhum deles imagina o quanto você sofre quando ninguém está olhando.

E aí você coloca um The Cure, pois eles sabem, como nenhuma outra banda, como é se sentir pra baixo. Se sentir perdido, sozinho e angustiado.

Mas sem perceber você colocou Just Say Yes. E sentiu, ali, logo de cara, um ritmo diferente. Gritos femininos dando uma energizada no balanço que já era legal.

E eles, sim eles, afinal, trata-se de um dueto: Roberth Smith e Saffron, cantam juntos. Coisas bacanas. Coisas para cima. Coisas que você não estava preparado para ouvir, mas que despertam seu espírito como um bom e velho tapa na cara. A dor passa e o zumbido não fica. No lugar dele está o ritmo excepcional da música.

E você se pega acreditando, mais uma vez em si mesmo.

Se percebe capaz de qualquer coisa.

Se te pedissem agora para atravessar o oceano atlântico num barco a remo você iria. Se te desafiassem a cavar um túnel com uma colher, você tiraria de letra. Tudo isso por que a música fala coisas como:

Não diga talvez
Não diga não
Não diga espere
Não diga devagar
Não diga da próxima vez
Não diga quando
Não diga mais tarde
Não diga então
Não seja cauteloso
Não pense duas vezes
Não banque o seguro
Não o ponha no gelo
Não fique remoendo
Não chute prá lá e pra cá
Não espere e veja
Não tente resolver

Então não me diga
Que tudo podia estar errado
Não, não me diga
Que tudo podia estar confuso
Oh não me diga
Tudo podia ser uma perda de tempo

Apenas diga sim! Diga agora!
Se deixe levar!
Apenas salte! Não olhe!
Ou você nunca vai saber
Se você ama
Então venha e ame!

Apenas diga sim!

Essa é a força dessa música.

Você escuta é ela serve como aquela poção do Asterix. Você se torna poderoso. Maior e mais forte. Todo o medo e a mágoa ficam parecendo insetos pequenos e você nem mesmo tem vontade de esmagá-los por pura dó. Você sabe que tem domínio sobre eles. Não precisa da violência. Prefere lidar com eles do que simplesmente removê-los, como se isso fosse possível.

Então siga o conselho do Cure.

Pare de adiar. Pare de inventar desculpas. Pare de se reprimir. Pare de se preocupar.

Simplesmente tome uma atitude. Respire fundo, acredite em Deus e "salte sem olhar".

Aconteça o que acontecer, nada vai te tirar a adrenalina da "queda" e a glória de ter enfrentado o momento ;)

Assim falou Santo Tomaz de Aquino

Desabafo do autor:

Caramba! Nunca consegui me dedicar tão pouco ao meu bom e velho Músicas de Andarilho. Mas a falta de tempo para essa atividade revela que estou ocupado com outros projetos, o que é um bom sinal. Em breve vocês ficarão sabendo de mais uma novidade bacana!

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Vamos à andança...

Mestre Jorge Ben traz mais uma canção elucidativa

Faz muito tempo que quero falar sobre essa canção.

Ela é do mesmo disco do Jorge Ben onde está a pérola sagrada Velhos, Flores, Criancinhas e Cachorros, uma das minhas músicas preferidas da vida, a qual uso como oração quase todos os dias. Mais precisamente, ela antecede essa obra, o que é ótimo, pois vai preparando o terreno para o papo mais intimista e religioso com ninguém menos que Deus do Céu.

Assim Falou Santo Tomaz de Aquino é, como muitas canções dessa fase de Jorge Ben um tanto quanto mística. Mas, diferente do mantra que segue ou da clássica Jorge da Capadócia, essa canção não é bem uma oração. É mais um exercício de filosofia. Se no disco Á Tábua de Esmeralda ele usa a filosofia para analisar a Alquimia e os Astros, aqui ele usa a ferramenta dos sábios para nos ajudar a entender nada menos que Deus do Céu.




Aliás, "ajudar a entender", pode soar um tanto contraditório. O que ele faz na verdade é nos ajudar a entender que Deus é inintendível. Conforme a canção avança, Ben explica, com as palavras de Santo Tomaz de Aquino - grande pensador e teólogo que, apesar de Santo, não se prendia à amarras da Igreja. Ele começa:

A semelhança da criatura com Deus é tão imperfeita
que não chega a ser um gênero comum, comum

Pode soar complicado, ainda mais com os versos que seguem, mas parando para a analisar fica fácil.

Deus é um ser Supremo. Todo Poderoso. Onipresente e Onisciente. Certo? Já nós, pobres humanos somos exatamente isso: humanos. Temos uma série de qualidade que, tenho certeza, deve fazer Deus se orgulhar, sendo a principal delas a razão. Mas mesmo usando todo nosso poder de raciocínio, algo que jamais vamos entender por completo é essa tal Onisciência e Onipresença. A final, como é saber tudo e estar em todo lugar ao mesmo tempo? Podemos ter uma ideia do conceito, mas jamais (pelo menos não enquanto não atingirmos a iluminação) saberemos como é a sensação de onipresença e onipotência.

Capa do disco Solta o Pavão, de 1975. Foto: Reprodução

Outros versos da obra dizem:

Deus não é uma medida proporcionada ou medido
Por isso não é necessário que esteja contido
No mesmo gênero da criatura

Esse é o ponto.

Deus é Deus. Homem é Homem. Temos limitações intelectuais que não nos permitem compreender diversos mistérios. O universo. A beleza da vida. O número Pi. É por isso que jamais poderemos dizer com certeza qualquer coisa sobre Deus. Tudo que podemos fazer são, como ensina a filosofia, conjecturas e hipóteses, mas nada é 100% concreto nessa vida.

Ilustração de Gustavo Dore sobre a Divina Comédia. Momento em que Dante visualiza Deus. Ótima forma de ilustrar a magnitude e complexidade do Pai. Foto: Reprodução

Dessa forma cai por terra qualquer definição que fazemos sobre Deus. Podemos dizer que Ele é homem velho de barba branca. Que Ele mora num castelo no céu cercado de anjos. Que Ele tem um globo onde vê todas nossas ações e depois nos julgará com base nelas. Parando para pensar um pouco esses conceitos se revelam um tanto infantis. Não temos culpa, porém. Diante da magnitude e complexidade do Pai, é isso que somos. Um bando de crianças inocentes que ainda não sabe nada da vida.

Você deve ficar chateado com isso?

Claro que não. Primeiro por que estamos aqui para aprender. E reconhecer a própria ignorância é o primeiro passo para um aprendizado sincero e eficiente.

Segundo porque parte da beleza Divina é a Fé. É aquela relação de confiança que você tem com Deus que, como muita coisa no mundo, não tem uma explicação final. Você simplesmente confia. E as coisas dão certo de um jeito ou de outro. Você não precisa entender Deus como uma equação matemática. Você talvez não entenda sobre ondas de calor e raios UV, mas sente o sol e confia nele para secar suas roupas ou para energizar seu corpo. Você não necessariamente entende de botânica e células, mas quando as flores bonitas nascem no seu jardim você acredita que há algo por trás daquilo.

Com Deus é o mesmo. Não tenha pretensão de entendê-lo como um livro. Não acredite em quem diz que recebe Dele instruções exatas como um e-mail no computador. Ele está muito acima disso. Você pode senti-lo e talvez até ouvi-lo. Mas provavelmente não será com palavras que Ele irá lhe falar.

Ben completa:

Por isso dobro os meus joelhos
Diante do pai de nosso Senhor Jesus Cristo
Do qual toda sua sábia paternidade
Tomou nome nos céus e na terra
Assim falou Santo Tomaz de Aquino


Fé. A graça de acreditar em Deus mesmo sem entendê-lo.

E o melhor de tudo. Toda essa poesia belíssima vem com um ritmo gostoso, suave e animado. Como tudo o que Ben faz é uma arte de mestre, ele usa o violão para criar o ritmo bonito que conduz a obra. Ele encerra ainda com um refrão maravilhoso:

Senhor Tu tens tido feito o nosso refúgio

E deixa a lição para nós refletirmos. Mesmo que você não entenda por completo Deus, confie Nele. Viva com Ele. Inspire-se Nele e seja feliz ;)