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Um novo prazer: Ler e Ouvir O Senhor dos Anéis

Há alguns meses assisti, talvez pela décima vez, a trilogia O Senhor dos Anéis.

Sou grande fã da obra de J. R. R. Tolkien e tenho um carinho especial por esses filmes. Não apenas gosto da história ou dos personagens, mas me sinto realmente como um integrante da Terra Média quando o primeiro (e melhor, na minha opinião) filme começa.



Logo nos primeiros minutos, quando o velho Gandalf chega no Condado e encontra Frodo eu já quase consigo tocar as plantações de abóboras e sentir os pés na grama daquele lugar especial tão aconchegante.

Eu poderia citar dezenas de motivos pelos quais amo essa história. Poderia mencionar meu gosto pelo medievalismo e por jogos de RPG, poderia lembrar que li os livros pela primeira vez com uns 15 anos e pela segunda vez com 17. Poderia discorrer sobre minha visita à Nova Zelândia, onde eu procurei vários dos cenários usados no filme. Poderia passar horas engrandecendo essa obra e dizendo o quanto sou grato à ela por ela ter permitido deixar minha imaginação voar e aflorar. Mas para não deixar o texto longo e enfadonho, vou apenas relembrar que, das poucas vezes em que chorei depois de adulto, uma delas foi vendo As Duas Torres.

"Você não chorou no nosso casamento, mas chorou quando o Rei Theoden lamentou a morte do filho", minha esposa gosta de provocar. Eu dou aquele sorriso amarelo e fico sem resposta. É verdade, afinal.

O Rei Theoden chorou e eu chorei com ele. 3 lágrimas. Consegui contar.

Nessa última visita à Terra dos Hobbits, Elfos, Anões e Humanos decidi que queria ler os livros mais uma vez. Já fazia mais de 10 anos, afinal. Por que não mergulhar novamente na aventura literária que deu origem aos filmes que eu tanto aprecio?



Tirei então meu exemplar de 2002 da prateleira. Aquele com a capa ilustrada do Gandalf, quando o filme ainda nem tinha saído do papel. As páginas levemente amareladas só davam ainda mais charme para o livro.

Comecei a ler.

Agora, porém, o mundo era outro. Distante e diferente daquele 2004, quando eu havia deixado aquelas páginas de Tolkien pela última vez.

Agora o mundo tinha internet de alta velocidade e de forma constante. Praticamente como água encanada.

Agora o mundo tinha músicas à vontade em qualquer lugar, sem a necessidade de comprar discos ou aparelhos para reproduzi-los.

E assim descobri uma nova experiência: ler O Senhor dos Anéis e ouvir O Senhor dos Anéis. Como? Com essa ambientação criada pelo canal Ambient Worlds. O produtor dos vídeos, provavelmente tão medievalista quanto eu, pega as canções de filmes e games de fantasia e cria uma versão mais longa que ele mescla com delicadeza à sons ambientes de natureza, chuva, vento e por aí vai. A imersão fica ainda maior.


Gosto tanto dos vídeos desse canal que já se tornou um costume aqui em casa deixarmos uma das canções rolando enquanto tomamos café ou conversamos. É relaxante e inspirador.

Confesso que ler os livros de Tolkien com a trilha sonora estendida do Condado ao fundo tornou-se um novo prazer da vida. Daqueles mais simples e, portanto, mais especiais. Sempre que posso agora eu pego meu livro, sento na poltrona e deixo a trilha sonora magistral de Howard Shore complementar minha aventura ao lado de Gandalf, Aragorn, Frodo e meus outros heróis.

Não dá para ouvir e não se sentir acolhido pela alegria contagiante e pela ingenuidade bonita do povo do Condado. Experimente!


Alivie as preocupações com Blues Etílicos

Para quem tem o espírito colecionador, plataformas como Spotify e Deezer trazem um novo prazer que, se não substitui por completo, ao menos alivia a ausência do antigo hábito de buscar discos pelas lojas hoje extintas: a criação de playlists.

A possibilidade e agrupar, organizar e classificar as canções favoritas oferece não apenas a certeza de uma boa audição, mas também ajuda a descobrir bandas e canções novas, como comentei nesse post do Gustavo Andrade.

Foi degustando esse novo hobbie que criei playlists que tocam semanalmente no meu player: Hard Rock B-Sides, com todas canções pesadas oitentistas que eu gosto e que não fizeram o mesmo sucesso (e também por isso não me enjoaram tanto como) os super-hits; Electro Swing, com várias canções desse novo gênero que mistura a maestria do jazz com o impulso eletrônico; Coletânea Oasis Studio, copiando música a música um CD gravado por um amigo na adolescência que me fez gostar demais da banda inglesa.

E por aí vai...

Uma das listas que criei compila as músicas que mais tenho apreciado dentro do cenário do Blues Nacional.

Recentemente, enquanto fazia uma nova curadoria na lista, encontrei essa canção do Blues Etílicos que eu ainda não conhecia. É do ótimo disco "Puro Malte".



Como normalmente ocorre com as Grandes Músicas dos Deuses, eu fui inicialmente bombardeado com frases interessantes e um ritmo energizante que me fizeram querer ouvir a canção de novo, dessa vez prestando atenção na letra.

Foi então que descobri uma música realmente boa. Daquelas sábias. Com palavras bonitas e de grande valor ao ouvinte. Esse tipo de canção é raro, mas quando a encontramos, tudo vale a pena, pois elas nos enchem de alegria e vontade de viver.

A lição ensinada aqui é a de abraçar o desconhecido. Não temer as mudanças. Saber desfrutar as novidades que a vida nos proporciona.

Saia da Rota traz aquele ritmo bluseiro impecável costumeiramente executado pelo grupo brasileiro. Há talvez um diferencial no groove, gerando uma melodia contagiante, positiva, como justamente a poesia precisa.

Na letra, o narrador conta como percebeu um "desvio na estrada" que o levou por um "lugar novo que eu não esperava". E em versos rápidos e certeiros ele descreve uma série de atividades que podem nos proporcionar um novo descobrimento pessoal:
A caminhar domingo com as paineiras
Abrir o apetite com Santa Teresa
Fazer um piquenique no meio do mato
Jogar fora o relógio, nadar pelado
Pular de asa-delta na Pedra Bonita
Saltar de paraquedas uma vez na vida
São ações ora banais, ora aventureiras, mas todas trazem aquele desafio de sair da zona de conforto, mas que nos trazem tanto aprendizado e emoções únicas.

Claro que o momento atual de confinamento e isolamento social não nos permite adentrar em algumas dessas experiências, mas podemos interiorizar o ensinamento para questões mais pessoais como a mudança de um emprego, o fim ou início de um relacionamento, ter um filho, ou um cachorro, enfim. A lição que fica é essa: não se fechar para os novos ventos.

Escute aqui:


O humor e a filosofia Beatnik de Porcas Borboletas

Quando terminei meu segundo livro, Meditando no Banheiro, e pedi para o mestre chargista Márcio Baraldi escrever um prefácio para apresentar o livro, me surpreendi com um texto em que ele chamava de "O Último Beatnik".

A surpresa se deu por que eu não imaginava que minha escrita soaria tão facilmente Beatnik.

Foi uma boa surpresa.

Um elogio, assim eu entendi. Fiquei orgulhoso, devo admitir.

Os Beatniks foram artistas da década de 50, criadores de um estilo de vida inspirado na liberdade, na amizade e no questionamento. Mais ou menos como os Hippies viriam a fazer posteriormente. Nomes Beat famosos são Jack Kerouac, Charles Bukowski e William S. Burroughs.

Como ser associado à nomes grandiosos como esses pode não ser um elogio? Escritores Beat foram (e continuam sendo) inspiração para meus textos.

Banda Porcas Borboletas: muito humor e força musical em versos Beat

Creio que o que mais me chamou a atenção em livros como On The Road, de Jack Kerouacc, foi a liberdade. O desejo de viver a vida, sem regras, sem amarras.

Não há preconceito em uma história Beat. Tudo é permitido e tudo é perdoável, desde que feito com emoção.

É o que viria a ser a essência do espírito Rock'n'Roll.

"Curtindo o que a vida me dá de presente", como sintetizaria tão bem, décadas depois, as Velhas Virgens, outros ícones da cultura (ou contracultura) Beat.

E há alguns anos conheci uma outra banda que compartilha dessa mesma essência e, não por acaso, acabei viajando completamente no som deles: Porcas Borboletas.

Não trazem consigo a mesma alegria pulsante das Velhas, mas encontraram o caminho para a música dos deuses com outro tipo de humor: o autodepreciativo. Dessa forma a banda entrelaça um trabalho instrumental de primeira com letras que versam sobre conquistas amorosas mal sucedidas, deficiências físicas do narrador, desilusões com projetos pessoais e muito mais.

Tudo com um estranho e poderoso carisma na voz do vocalista Danislau.

Quem viveu a vida minimamente não vai conseguir deixar de sentir empatia em versos como:
Todo mundo está pensando em Sexo.
Todo mundo disfarçando muito bem.
Será que só você não? Será que só você não?
Meu bem...



Ou:
Tudo que eu tentei falhou:
Sapatênis, bandana, sunga dos states, suspensório
Relacionamento aberto, fechado, ménage à trois, suruba psicodélica
Abstinência do uso de drogas seguido da suspensão da abstinência
Paraíso, purgatório, inferno, rua augusta



É necessária uma rara habilidade para rir dos próprios problemas.

Enquanto a maioria das pessoas acaba sucumbindo às pressões e as derrotas, Porcas Borboletas faz música. Eles riem do destino. Sabem que não é preciso levar tudo à sério e que, por mais difíceis que sejam nossos desafios, tudo fica mais fácil com amigos em uma mesa de bar.

É aquele pensamento que só os mais sábios conseguem incorporar: se não der certo, afinal, pelo menos a gente tomou umas cervejas e deu risada.

Embora a filosofia Beat fique evidente em canções como Derrota Transcedental, Você Mentiu, Ejaculação Precoce e nas já citadas, é em Aninha, uma canção mais simples e intimista, que o grupo atinge o ápice da viagem musical.

Acompanhando um poema ligeiro que descreve com delicadeza a Aninha do título, a guitarra cria um ambiente profundo e envolvente. As cordas hipnotizam e os versos saem com brisa:

Greta garbo
The pin-up's dreams
The fifties
Tudo existiu
Pra vestir aninha

Após aprisionar o ouvinte com o clima sereno e misterioso, o grupo está livre para explodir. É quando a canção vira um Rock vigoroso. Os versos se repetem, mas paixão pela Aninha se torna visceral, obsessiva.

Não há conclusão para a história, mas isso não a torna menos perfeita.

Ao contrário, é justamente por esse olhar distante que a obra ganha importância.

Trata-se, afinal, de apenas uma constatação. Um devaneio, como em Heaven dos Rolling Stones ou Cheap Day Return do Jethro Tull. Um momento de delírio no qual o narrador, como nós, é impotente. Como a maioria dos eventos de nossas vidas, não há muito o que fazer. Apenas aceitar e admirar.

Confira Aninha:

Associação Livre Invisível: ritmo, amizade, fotografias e protesto

Depois dessa ausência de quase 2 anos aqui no blog, não estranhe, amigo leitor, se eu precisar colocar alguns assuntos em dia.

Não pense que não ouvi e não conheci diversas canções incríveis nesse meio tempo.

Claro que não.

Apenas não escrevi sobre, mas a música boa continuou pulsando dia após dia nos meus ouvidos e coração e me lembrando do quão boa é a vida.

E uma das bandas que acabei me envolvendo até mais do que o normal é a Associação Livre Invisível.

Associação Livre Invisível, em lançamento do disco "Avisos Luminosos". Foto: Felipe Andarilho.

Isso por que sou amigo de infância do guitarrista Cássio Cordeiro.

Não escondo o orgulho de dizer que o conheço há uns 20 anos.

Você pode dizer isso de algum amigo? 20 anos? Tudo bem, que sejam 10... Pode dizer?

Se pode, deve se orgulhar disso também.

Já ouvi de um punhado de pessoas que não é fácil fazer amigos. Mais difícil ainda seria mantê-los.

Entendo o que dizem. Mas, por algum motivo, fui agraciado pelos céus no campo da amizade. Precisaria de mais do que as duas mãos para numerar meus amigos de longa data. E o Cássio é um deles. Um dos mais antigos.

Eu estava lá quando ele ganhou sua primeira guitarra. "Tipo a do George Harrison", ele dizia, orgulhoso. Devia ter uns 12 anos.

Na época eu tinha ganhado uma gaita dos meus pais e assoprava canções fáceis dos Beatles. Nos reuníamos na quadra do prédio para tentar tocar alguma coisa. Não saía nada. As que eu sabia na gaita, ele não sabia os acordes. As que ele conhecia na guitarra eram difíceis demais para eu tocar.

Mas a gente ria. Isso que importa.

Com o tempo, Cássio foi se envolvendo cada vez mais com a música e eu com comunicação e design. Seguíamos nos encontrando ocasionalmente para aquele bom papo e, após uma certa idade, aquela boa cerveja. Foi nesse meio tempo que aconteceu uma das histórias mais divertidas do livro Meditando no Banheiro.

Eu estava lá também, anos depois, quando ele encontrou seu mestre pela primeira vez. Estávamos no Manifesto Bar para curtir um show cover do Deep Purple. O guitarrista era um monstro virtuoso chamado Fernando Piu que certamente não ficava devendo em nada para Ritchie Blackmore.

Cássio viu ele no palco e disse: "Quero ter aula com ele".

Cássio Cordeiro, com a Associação Livre Invisível, em 2019. Foto: Felipe Andarilho.

O cara solava na Pictures of Home e mesclava a microfonia das caixas de som com as notas que fazia com rapidez e precisão, parecendo colher com as mãos as notas que queria no ar. Era realmente impressionante.

- Você nem sabe se ele dá aula - respondi - mas o cara é bom mesmo.

O show acabou e Cássio falou com ele. Se tornou aluno dele. E, com os anos, virou outro monstro virtuoso.

Vi shows do Cássio com diversas bandas nos mais variados Rock Bares de São Paulo. Alguns já nem existem mais.

Há alguns anos, porém, ele me contou, em uma mesa de bar, que estava em uma banda grande. Coisa fina, profissional. Uma Big Band, com metais, percussão e tudo o mais. Estavam gravando um disco, ele disse.

Nessa época eu estava trabalhando com fotógrafo de eventos. Me ofereci para fotografar o show de estréia da banda.

Foi assim que conheci a Associação Livre Invisível.



Que o Cássio era um guitarrista astuto e inspirado eu já sabia. O que eu não sabia é que ele estava agora num time de mestres. A Associação faz um som que bebe do Soul, do Rock, do Hip Hop e de uma outra infinidade de sons brasileiros e latinos. Um trio de metais faz acompanhamentos e solos incríveis nas canções com balanço ora puramente agradável, ora altamente viajantes.

O trabalho do vocalista Didi Monteiro, que também assina as letras do grupo, é outro ponto de destaque. Sua presença de palco é marcante e a técnica vocal ajuda a conduzir com maestria o som recheado do conjunto.

O primeiro show que fotografei deles foi no Sesc Belenzinho, em São Paulo, no lançamento do seu primeiro disco, "Trânsito", de 2019.

Associação Livre Invisível, no Sesc Belenzinho, em 2019. Foto: Felipe Andarilho.

O disco é explosivo e instigante. Logo que o grupo começou as primeiras notas eu soube que estava diante de algo grandioso. Uma explosão violenta de energia dominou o auditório do Sesc. Impossível não se contagiar. Eu queria fotografar, mas ficou difícil me concentrar nas lentes, luzes e configurações. Era muita pulsação. Muita felicidade transbordante.

A harmonia da banda é surpreendente e os duetos entre a guitarra e os metais são arrepiantes com destaque para as canções As Chaves (ouça no player acima), Atitude Suspeita e Vade Retro Baby (player abaixo).

O álbum conta com a participação especial da cantora Kimani, e Danislau da banda Porcas Borboletas (que aparecerá por aqui em breve).

Voltei a fotografá-los em um show na Casa de Cultura Chico Science, no Sacomã, em São Paulo, em que eles tocaram Da Lama Ao Caos na íntegra, além de outros hits da lendária banda Chico Science e Nação Zumbi. Sou fanático pelos 2 discos lançados pelo grupo pernambucano e a execução foi tão poderosa que eu me peguei o evento inteiro fotografando e cantando junto todas as músicas.

Associação Livre Invisível, na Casa de Cultura Chico Science, em 2019. Foto: Felipe Andarilho.

E o evento mais recente que pude captar com minhas lentes foi o lançamento do 2º disco da Associação, em fevereiro de 2020, dessa vez no palco icônico do Centro Cultural São Paulo, que já serviu de cenário para apresentações dos mais lendários nomes da música brasileira. Foi lá que eu conferi esse show do Made in Brazil.

"Avisos Luminosos" chegou embalado no seu antecessor com a mesma pegada poderosa e ritmo delirante, porém com um novo e importante ingrediente: a crítica pesada ao Governo Bolsonaro.

Associação Livre Invisível, no CCSP, em 2020. Foto: Felipe Andarilho.

Não são poucas as alusões ao presidente nos versos. "Arminha na mão, tiro no pé" e "É um falso messias" são exemplos na canção Fim da Porra Toda. A banda ainda abriu o show com uma compilação de frases assombrosas do governante. Não deve ter sido difícil recolher as frases, já que o ocupante do Planalto filtra muito pouco o que passa em sua cabeça, mas o trabalho vale a pena para escancarar o quão estamos desprovidos de um representando com o mínimo de respeito e dignidade.

Kamasutra Alquimista (ouça abaixo), a abertura do disco, começa com um groove envolvente, que se mantém em Gritos, Revolta e Coragem. Harmonia é a palavra-chave. Outro destaque, Hildegard Sampaio Seixas joga os holofotes para o preconceito contra os transsexuais e conta com a participação emocionante de Verônica Valentino.

O final do disco vem com um apoteótico trabalho instrumental após Didi Monteiro anunciar o apocalipse em um monólogo assustador, chamado simplesmente de Anúncio.

Trata-se de um disco rápido, potente e, acima de tudo contundente. A música sempre foi um dos muitos caminhos para o protesto pacífico e a expressão de ideias opostas ao que é considerado como padrão. Quando o protesto é feito com maestria musical e um ritmo empolgante, está montada a combinação perfeita e que cai como uma luva para o momento político atual.

Gritos de alerta não costumam ser agradáveis de ouvir. "Avisos Luminosos" é exceção à regra.

Ouça Kamasutra Alquimista:



Ouça Vade Retro Baby:


O inspirador blues brasileiro de Gustavo Andrade

Nunca consegui me afastar por muito tempo de um blues.

Tem momentos que eu me enveredo pela MPB.

Ocasiões em que eu me perco nos ritmos latinos do momento.

Mas nunca consigo me afastar por muito tempo de um bom blues.

Não dá.

É como diz o Made in Brazil: "Não consigo ficar triste. O Blues levanta o astral".



E por falar em Brazil, já faz um tempo que meu player tem andado enfeitiçado pelo blues do brasileiro Gustavo Andrade.

Conheci o som dele por acaso - se é que isso existe - enquanto montava uma Playlist dedicada ao Blues Brasileiro no Spotify.

Comecei pelos nomes que eu conhecia: Fernando Noronha, Nuno Mindelis, Blues Etílicos, Irmandade do Blues, Igor Prado.

Quando fui atingindo os limites do meu parco conhecimento, comecei a fazer o que os colecionadores fazem melhor: cruzar informações. Esse é ainda um dos melhores jeitos de descobrir boas bandas e sons. Já era fácil fazer isso na época dos LPs e CDs. Era só ler os nomes dos músicos da banda e pesquisas sobre eles para descobrir uma infinidade de outras bandas tão excelentes quanto aquela que serviu de ponto de partida.

Com o Spotify a coisa ficou fácil a ponto de parecer ridículo.

Com literalmente um clique, saí então do mestre da gaita Jeferson Gonçalves e cheguei a um disco chamado Explosion Blues, no qual os vocais pertenciam a um cara de timbre manso e estiloso. Gostei de cara: era o Gustavo.



Fui mais a fundo e descobri que o músico é um veterano da cena do blues nacional. Uma daquelas pérolas tão próximas e tão distantes que faz com que um texto introduzindo-o soe um tanto quanto contraditório e estranhamente real na nossa cultura.

Recentemente foi às Lives do Instagram um projeto chamado 1º Festival Internacional de Música em Casa. Como muitos que estão aparecendo o evento virtual buscou aproximar músicos de seus fãs em momentos de confinamento e isolamento social. Um alívio e tanto para a alma. Muito bem vindo, o evento pegou pesado nos músicos de blues que, em shows de 30 minutos cada, preencheram todo o fim de semana dos dias 28 e 29 de março.

Nem preciso dizer que corri a ver o Gustavo Andrade e não me decepcionei. Ali estava o cara carismático de voz ligeiramente rouca e riffs impressionantes na guitarra.

Uma de suas maiores obras (e a principal a repetir no meu player) chama-se Playing My Blues e, para minha sorte, foi tocada no pequeno show, rendendo um momento de pura viagem e alegria, capaz de nos fazer esquecer - ao menos por alguns minutos - de tanta tragédia à nossa volta. Se lá fora o coronavírus aterrorizava o mundo e nos deixava ansiosos e preocupados com relação ao futuro, ao menos em meio àquele riff lento, pesado e triste como só um bom blues pode fazer, toda angústia deu lugar à esperança e toda tristeza virou a mais pura e revigorante alegria de viver.

O vírus mata, mas o blues salva. Sempre salva.

Confira aí Playing My Blues:


Quando a música faz bem para a saúde. Conheça minha "Playlist da Cura"

Como a música (e algumas outras coisas) me ajudaram a superar uma crise de ansiedade

Imagem de Pexels por Pixabay


Há alguns meses passei por um momento conturbado da vida.

Começou como um problema profissional. E, como geralmente acontece, acabou virando um problema de saúde.

Nada grave - já alerto - e agradeço a preocupação.

Apenas um pouco de ansiedade acima do normal.

Sabe como é. A gente trabalha, é responsável, quer fazer as coisas direito e bem feito. Às vezes até demais. Não sabemos dizer não. Queremos abraçar o mundo. Queremos mostrar para todos que somos capazes. Queremos provar para nós mesmos que conseguimos.

Que não somos fracassados.

Mas até que ponto isso é necessário?

No meu caso aprendi que, se eu não colocar um limite, o corpo colocará.



E ele colocou. Acelerou meu coração, hiperventilou, me deixou zonzo e desesperado. No começo, e como é comum entre as pessoas que passaram por algo parecido, achei que ia morrer. Pior: tinha certeza! Eu não sabia o que fazer com aquela falsa percepção do final da minha breve vida e quanto mais pensava naquilo, mais o desespero aumentava.

Eu rezava, mas parecia que ninguém estava ouvindo. Eu procurava ouvir músicas, mas não conseguia prestar atenção às melodias. Minha cabeça voava e não conseguia se desvencilhar das garras do pânico.

Achei que ia ficar louco.

Mas eu estava enganado.

Havia sim alguém ouvindo minhas preces.

Foi então que me agarrei com força aos ensinamentos que aprendi na vida. De Jesus a Buda. De Senhor dos Anéis ao Caminho do Guerreiro Pacífico.

E pouco a pouco - cada passo era um esforço colossal e cada dia pareciam eras - eu fui saindo daquele deserto assustador e retornando à minha casa: ao momento presente, onde a felicidade é plena e a alegria de viver raramente é esquecida.

Não foi um caminho fácil ou direto. Ao contrário, se assemelhava mais a um labirinto. Em muitos momentos achei que tinha chegado ao fim apenas para descobrir que, na verdade, me sentia muito próximo do estágio inicial. Mas eu tinha algumas cartas na manga. E Deus, que estava sim ouvindo tudo, colocou ali, alguns coringas também.

Usei todos os recursos que estavam ao meu dispor.

Alguns já eram ensinamentos antigos, guardados em algum local empoeirado da memória. Eu só precisava lembrar deles.

Outros foram ensinamentos reciclados, reconstruídos, adaptados ao novo momento da minha vida.

Alguns outros foram completamente novos, com novos mestres e novas formas de aprender e conhecer a mim mesmo. Enquanto os deuses me presenteavam com um punhado de novas e preciosas lições, mais uma vez, me vi escrevendo tudo que aprendia num caderninho de bolso, como fiz há muitos anos atrás.

E um desses antídotos que reaprendi a usar foi justamente esse.

Aqui.

Esse blog e tudo que em que ele se baseia: a alegria de ouvir uma boa música.

Depois de abandonar meu velho blog por pouco mais de 1 ano, retorno à casa apenas para descobrir - ou melhor: lembrar - que a música sempre foi um canal direto entre eu e o Supremo.

Imagem de Shahariar Lenin por Pixabay


Deus está em tudo, é claro.

Mas Ele se revela se formas diferentes para cada um, acredito. E sempre se revelou para mim na música.

Sempre.

Não foram poucos os milagres que presenciei enquanto tinha um fone no ouvido.

E, olhando agora, não consigo identificar ao certo em que momento deixei de prestar atenção aos versos.

O que importa agora é que percebi o quão longe estive do caminho.

E comecei a prestar atenção de novo.

Fui juntando e anotando as canções que me ajudavam. Que me faziam bem. Que me enchiam de coragem para vencer o medo. Que me enchiam de amor.

Como um colecionador aficionado por seu ofício, resgatei toda e qualquer canção que tinha o poder de me fazer escutar a voz dos deuses.

Algumas foram fáceis de achar. Foi só pensar um pouco a respeito. Outras deram mais trabalho para serem localizadas. E algumas outras foram aparecendo na vida enquanto a coleção era montada. A coleção está longe do fim. Cada vez que identifico uma nova e poderosa canção, corro para o Spotify e a adiciono à lista.

Batizei-a de "Para Ouvir Todos os Dias às 7h". Uma forma bem didática de me lembrar de escutá-la ao máximo. Se possível pela manhã, para me preparar adequadamente ao dia. Para não me desviar do caminho. Para, como dizia Stephen King e seus pistoleiros, "não esquecer o rosto do meu pai".

Deixo aqui então à você, querido leitor, a minha Playlist da Cura. Não restrita a um gênero específico, ela inclui de Rocks modernos como Killers e Incubus a salsas icônicas de Célia Cruz e Marc Anthony. De O Rappa a Jason Mraz. E muitos outros portadores dos deuses. O ouvinte atento perceberá na lista uma presença maior de Jorge Ben. Não é por menos. Se existiu algum bardo que conhece a fundo a alegria de viver, só pode ter sido ele. E destaco também uma canção especial do Gabriel o Pensador, que parece ter sido escrita para todos que passaram pelo que passei.

Espero que essa Lista te faça tão bem quanto faz à mim.

Não se apegue à ela, porém. Pegue o que te servir e, se achar necessário, crie sua própria lista. Não se restrinja só à música também. Ela é apenas um canal. Preste atenção ao som da vida. Saiba admirar o silêncio de sua casa e o som majestoso da natureza. Encontre Deus na voz das pessoas que você ama e ame-se com todo o coração.

Boa viagem, todos os dias ;)

Lembrete importante: a vida é boa

Reflexão banhada a Jorge Ben. Fica melhor se você der o play:



Eu sei, faz tempo que não escrevo aqui. Eu havia até sugerido que era o fim do blog.

Mas alguma coisa tem fim nessa vida? Eu acho que não. E mais tarde conto o que andei fazendo nesse meio tempo. Que músicas escutei, que shows eu fui. Mas antes preciso colocar um lembrete aqui. É mais um recado para mim mesmo, mas se servir para você, tanto melhor.

Antes de mais nada: a vida e boa.

Sempre que alguém - ou você mesmo - tentar te convencer do contrário, saiba que esse alguém - ou você mesmo - estão errados.

Puramente enganados.

Estão errados.

Não brigue com seu amigo revoltado ou com o mendigo elegante que tentar te fazer crer que o mundo é podre. Eles têm seus motivos para pensar assim. Mas você não precisa concordar.

Apenas não se deixe abalar.

Se estiver cansado, é só deixar os comentários deles entrarem e saírem. Não absorva nada.

Se estiver inspirado, transbordando alegria, tente você mudar a ideia deles.

Convença-os de que a vida é boa.

Mostre a ele que a vida é bela e linda, como diz Jorge Ben.

Se ele duvidar, toque um pouco de Jorge Ben. De preferência aquela antiga canção: Eu vou torcer (dê o play ali no alto).

Fale pra ele ouvir com calma. Para que ele seja levado pela voz suave do mestre. Pelo dedilhado na viola.

Para que ele percorra com o Zé Pretinho as ruas daquela maravilhosa Rio de Janeiro. Daquela República Livre de Ipanema. Torça com ele pela paz, pela alegria, pelo amor.

E pelas moças bonitas, é claro.

Eu vou torcer, eu vou.




A vida é boa.

O mundo está todo errado, eu sei. Não há como negar.

Mas há beleza na vida.

Seu amigo vai apontar pro mendigo (que ainda vai estar maldizendo o universo) e perguntar: "Cadê a beleza?"

E você vai ajudar o mendigo.

Pode ser com um trocado, e dane-se se é pra comida ou pra cachaça, a escolha é dele. Você dá a escolha. É muito mais do que ele costuma ter.

Se não tiver nada para dar, dê um sorriso. Isso já é bom o bastante.

Não enche a barriga, o amigo vai dizer. Mas enche o coração, pode apostar.

Faça isso e a beleza vai se mostrar.

Sorria mais.

Quanto mais você sorrir, mais vai perceber que a beleza existe.

Ouça mais musica.

Quanto mais você ouvir, mais você vai perceber que a beleza existe.

E que a vida é boa.

E é porque a vida é boa que vale a pena viver bem.

Vale a pena fazer as coisas com gosto. Vale a pena encontrar as pessoas. Rir com elas. Chorar de rir, se possível. Ajudar quem você puder, sem cobrança, sem stress.

E é para que eu não me esqueça do quão boa é essa vida que eu agora volto a escrever nesse espaço.

Depois de 1 ano e meio. Aqui estamos. De volta e com tudo.

Para cima, sempre para cima ;)

Que que eu quero mais?
Se eu sei que a vida é bela e linda?
Que que eu quero mais?
Se eu estou de bem com a vida?
Todinho de branco, lindo, esperando

Ela chegar...
(Jorge Ben - Magnólia)

Terra Celta celebra as diferenças em show impecável

Banda se apresentou no Sesc Belenzinho, em São Paulo, dia 19/01/2018


Terra Celta no Palco do Sesc Belenzinho. Foto: Felipe Andarilho


Que época, essa nossa, para se estar vivo.

Você e eu que estamos aqui de pé em pleno 2018 podemos nos gabar de que presenciamos o auge da humanidade e todas as suas vastas possibilidades.

E a banda Terra Celta subiu ao palco do Sesc Belenzinho para deixar isso bem claro.

Afinal, em que outra época da história você, apreciador da cultura medieval, poderia ver um grupo musical tocando com maestria um tipo de canção que você só conseguia ver em filmes? E ainda por cima em português.

Sou fã do cenário medieval desde garoto. Pirava em filmes e livros sobre essa época. Cresci lendo Tolkien, T. H. White e Bernard Cornwell. Encontrava nessas histórias coisas que esse mundo já não tinha: honra, coragem, amor sincero e brigas de espada.

Era bom estar em contato com tudo que fosse medieval. Mas quase sempre minha fonte de informação ficava limitada ao mundo literário ou cinematográfico.

Em termos musicais, minha sede medieval era saciada basicamente com a trilha sonora de jogos como Zelda e Chrono Trigger. Quando conheci a banda espanhola, Mago de Oz, a coisa melhorou um pouco. Mas era só. Eu não tinha onde buscar novas sonoridades nem quem me apresentasse canções do tipo.

Pensar que hoje posso contar com bandas brasileiras à distância de um clique e fazendo aquele som que me transporta para os cenários mais bonitos da Escócia e Inglaterra me faz repetir com gosto: que boa época para se estar vivo essa em que o mundo ficou mais próximo e acessível.

Conheci a Terra Celta há mais ou menos 1 ano enquanto pesquisava sobre Hidromel na internet. Caí num site que comentou sobre um show deles, bastante elogiado, por sinal. Não demorei a procurá-los no Deezer.



Não é preciso dizer que foi amor à primeira ouvida.

A partir daí tentei ir em seus shows algumas vezes. Com a agenda lotada, a banda de Londrina não vem para São Paulo com tanta frequência, mas consegui finalmente encontrá-los na última sexta-feira.

A comedoria do Sesc Belenzinho estava lotada. Famílias inteiras vieram curtir o som e, a julgar pela quantidade de gente dançando em todo o salão, é fácil supor que aproveitaram bastante a noite.

Não foi por menos.

Logo nas primeiros segundos o grupo ofereceu uma incrível canção instrumental. O som era pesado e viajante. Nas mãos dos integrantes da banda, instrumentos clássicos do Rock como guitarra e baixo se mesclavam com outros de época como violino e viola de roda (suponho, posso estar enganado). O grupo ainda viria a usar flauta, bandolim e até mesmo gaita de fole em outras canções, dando um show de versatilidade e talento.

Outra das habilidades da banda está no carisma. Cada músico passou a maior parte do tempo sorrindo, apreciando o que fazia e, simplesmente, feliz por estar ali, em outra cidade, com a casa cheia e animada. Glória essa que, infelizmente, poucas bandas independentes alcançam.

Mas não há som que levante o público se não houver uma boa energia por parte da banda, em especial de seu frontman. Por sorte, esse papel é encarnado por um cara extremamente simpático, que não cansava de agradecer ao público pela presença e aos astros pela oportunidade. Sua voz também combina bastante com o estilo musical, declamando poesias rápidas e certeiras.

Terra Celta fazendo o público pirar com suas canções medievais abrasileiradas. Foto: Felipe Andarilho

E é aí que está outra pérola da banda.

Escondida em sua poesia que usa, vez ou outra, sotaque caipira, está a habilidade de falar sobre diferenças e fazer críticas de forma inteligente e bem humorada.

É em canções como Quadrado e O Porco que você percebe como poderíamos ser mais felizes simplesmente respeitando o espaço do outro. Como eles dizem em Arrigo's History, que conta a história de um brasileiro simplório que vai para a Escócia: "aqui tem um homi usando saia e uns carro na contra-mão".

Com Terra Celta a lição que fica é essa: o mundo é assim, feito de diferenças. Podemos escolher implicar com elas ou podemos aprender com elas.

O show foi inteiro impecável, mas faço questão de destacar ainda alguns pontos como a execução da canção Gaia (o clipe dela é sensacional, confere aí embaixo) em que o grupo faz um importante alerta para a preservação do ambiente. Impossível ouvir e não refletir sobre como a humanidade pode ser grandiosa e, ao mesmo tempo, tão pequena e mesquinha.



Outro ponto espetacular foi uma homenagem repentina à Dolores O'Riordan, dos Cramberries, encontrada morta no último dia 15. Em meio a um trecho instrumental, a banda emendou o refrão de Zombie. Simplesmente arrepiante.

No final, para fechar a noite com ainda mais surpresas especiais, o grupo pediu que o público abrisse uma roda e desceu do palco para tocar ali. Ficaram então circulando e tocando seus instrumentos com o público vibrando em volta, numa viagem medieval surreal.

Faço questão de destacar também a sempre excelente administração do Sesc. Sou fã do clube e vários dos meus shows preferidos foram em alguma de suas unidades. O espaço do Belenzinho é sensacional, amplo e agradável. Haviam ali idosos, crianças e até bebês com seus pais curtindo a noite, convivendo felizes com quem era mais fã da banda e estava em pé cantando e dançando.

Nada menos condizente para um show de uma banda que preza pelas diferenças, respeito e apreciação da vida em todos os detalhes ;)

Curto e com altos e baixos, Orishas marca retorno em São Paulo

Show do Orishas em 01/12/2017, em São Paulo

Um dos grupos que mais admiro na vida é o Orishas, trio cubano de música latina.

Tanto que os escolhi para ilustrar o texto que fechou o ano de 2013, enquanto morei na Austrália.

Tanto que os escolhi para o texto de número 501 aqui do blog.

Orishas veio ao Brasil para show único na última sexta-feira. Foto: Divulgação

Quase ninguém conhece.

Quando me perguntam que tipo de som eles fazem, é sempre difícil responder. Começa no Hip Hop, sim. Mas é muito mais. Cada música deles traz uma carga de influências e misturas de ritmos latinos que fica não apenas difícil, mas injusto, classifica-los somente como Hip Hop.

É o tipo de banda do seleto grupo que contém O Rappa, Bomba Estéreo, Living Colour e Red Hot Chili Peppers. Bandas que não podem ser classificadas. Bandas cujo estilo são eles próprios.

Com a maestria desses poucos que conseguem fundir estilos e referências para formar um som único, os Orishas passeiam pelo Rap rápido e emendado, pela ritmo contagiante da Salsa cubana, pela viagem de um Lounge e pela harmonia de um belo Pop.

Para entender é só colocar duas canções lado a lado:

Confira Reina de La Calle:



Agora confira Elegante:



Essas canções são completamente diferentes. Não fosse pela voz marcante de Roldán González Rivero, poderiam ser facilmente atribuídas a duas bandas diferentes. O mais legal: as duas canções são do mesmo disco, no caso "El Kilo", de 2005.

Orishas começou como um quarteto em 1999 com seu álbum mais bem sucedido, a estréia "A Lo Cubano", cuja canção título talvez seja a mais famosa da banda.

A partir daí o, então trio, lançou mais 3 discos: o excelente "Emigrante", a obra-prima "El Kilo" (melhor álbum deles na minha opinião) e o também ótimo: "Cosita Buena", este último em 2008.

No ano seguinte o grupo encerrou as atividades, deixando fãs do mundo todo angustiados com o desperdício de tempo de uma das bandas latinas mais representativas e interessantes do mundo. São poucos que cantam nossas mazelas para o mundo e o Orishas era uma dessas vozes. E cantava como ninguém, colocando num suingue empolgante e energético criticas ferrenhas à desigualdade social que insiste em imperar aqui desse lado do globo.

Grupo fala em suas músicas sobre desigualdade social e problemas dos países latinos. Foto: Divulgação

Eis que, ano passado, a banda anunciou sua volta.

Além de excursionar pelo mundo, o grupo lançaria um novo disco.

A turnê incluiria o Brasil, o que é ótimo, pois costumamos ser afastados dos nossos vizinhos latinos e muitas bandas boas dos nossos hermanos evitam vir aqui por falta de interesse nosso na música deles. Se você ligar o rádio por 24 horas em qualquer estação vai poder contar nos dedos de uma mão as vezes em que toca uma música em espanhol. Não se surpreenda se não tocar nenhuma vez ou se a única vez que tocar seja um hit do verão como Despacito ou Kuduro.

Infelizmente nossa mentalidade norte-americanizada nos priva de muita coisa boa que temos aqui tão perto. Orishas é um desses casos. São poucos que conhecem e, pela quantidade de VIPs na fila do Tropical Butantã é fácil supor que muitos ingressos não foram vendidos e passaram a ser entregues gratuitamente apenas para que a casa não ficasse vazia.

Isso se refletiu também na apresentação do grupo onde tanto a banda como o público errou. A banda por jogar de frma segura, priorizando seu primeiro disco, o mais conhecido, "A Lo Cubano" e o público por justamente só conhecer esse trabalho. Pode-se dizer que, salvo algumas exceções o show dividiu-se em 70% canções do primeiro álbum e 30% de músicas novas que a banda provavelmente irá inserir em seu próximo disco.

A Lo Cubano, primeiro disco dos Orishas e sua mais famosa obra. Foto: Divulgação

O resultado não poderia se outro: um show com altos e baixos muito evidentes.

Em um momento o público cantava alto e se empolgava com músicas consagradas como Atrevido, Mística, Represent e 537 Cuba.

Em outro parecia estar dormindo com as canções inéditas ou nas poucas que escaparam do primeiro álbum como Hay un Son.

A exceção que confirma a regra e não por acaso um dos melhores momentos do show, foi Nací Orishas, única canção do disco "El Kilo" tocada e que, graças ao seu ritmo altamente empolgante e viajante, levou o público ao delírio.

Isso para uma apresentação com pouco mais de 1 hora deixou um grande gosto amargo na boca. Um gosto que dizia que o show poderia ser muito melhor. Com tanto material bom no repertório era fácil montar um setlist de pelo menos 2 horas que, mesmo permeadas com músicas desconhecidas, não deixaria o pessoal ficar parado.

No fim das contas o saldo é sempre positivo. Era uma banda que eu nunca tinha visto ao vivo e, dada as circunstâncias, nunca se sabe quando haverá outra chance (a última no Brasil foi em 2009, 8 anos atrás). Portanto não me arrependo de ter ido.

Mas que Orishas poderia fazer muito mais, ah sim, poderia ;)

Erótica, uma Comédia Necessária

Peça de Teatro brinca, homenageia, critica, canta e dança inspirada no Sexo



Outro dia eu estava revendo alguns textos aqui do blog sobre a banda Velhas Virgens. Era bom reler aquelas frases que eu mesmo escrevi e perceber como a banda sempre me surpreendeu pela sua desenvoltura ao falar de temas estranhamente ainda polêmicos, mesmo nessa época, teoricamente evoluída em que vivemos.

Dentre esses temas, talvez o mais difícil de lidar pelo homem seja o sexo. Atitude natural e biológica praticada por quase todos os seres do mundo e por quase todos os homens e mulheres que já pisaram na Terra, o sexo ainda é capaz de converter adultos em crianças de bochechas rosadas quando dá as caras na roda de conversa

Não à toa a família reunida em volta da TV se constrange quando o casal hollywoodiano resolve começar um bom e velho vai e vem bem no meio do filme. Até mesmo casais juntos há décadas evitam falar no tema ou só reservam tempo para tal depois de uma noite de bebedeira, quando o álcool retira as barreiras da vergonha.

Infelizmente alguns tabus ainda são tabus e, enquanto for assim, lidar com sexo será tão difícil quanto era para os adolescentes dos filmes American Pie.

Entretanto, graças à Deus - um Deus, esse, muito mais gente boa do que aquele que a igreja insiste em colocar no comando do universo - existem os artistas.

E artistas fazem o que querem.



Artistas gozam de uma condição que o cidadão comum jamais experimentará. Eles são livres. Não prestam contas. Reinam no submundo. Fazem a glória do que é banal.

Artistas são os verdadeiros heróis da sociedade. Não fosse por eles, tudo seria quadrado. Tudo seria cinza. Ninguém questionaria nada. Ninguém riria de uma piada à toa.

E recentemente vi alguns deles. Foi na peça Erótica, uma Comédia Gozada.

Não sou o cara mais frequentador do teatro, devo admitir. Mas é curioso que, sempre que dou uma chance para essa arte, nunca costumo me arrepender. Não foi diferente.

Conheci essa companhia nos espetáculos Beatles e A Música do Cinema que estavam em cartaz no Teatro Gazeta. Na época me surpreendi com a qualidade do musical e com a viagem causada pelas músicas apresentadas.

Fui então conferir a comédia inspirada em sexo que estava ocorrendo às segundas-feiras no Bar Brahma, mesmo dia e horário em que Caubi Peixoto tocava por anos a fio no local.



Dividida em esquetes de poucos minutos, a peça brinca com a questão do sexo no dia a dia e no imaginário popular. Dada à delicadeza do tema, não é de se surpreender que as mais curiosas histórias ganhem vida nas mãos competentes dos artistas que não só atuam, como cantam e dançam, às vezes nus, às vezes cobertos, mas sempre com a mais bonita maestria.

É nesse contexto que os personagens entram em situações curiosas, hilárias e emocionantes. Tudo feito com destreza, desnudando o tabu só para nos mostrar como somos tontos, como o mundo é legal e como, embora tenhamos esquecido há muito tempo, já nascemos pelados.

Em tempos em que artistas são acusados de pedofilia porque crianças acompanhadas dos pais visitam uma exposição onde há nudez, Erótica é uma peça mais que necessária.

É preciso questionar. É preciso falar no tabu. É preciso lidar com sexo e, mais necessário do que tudo, é preciso rir.

Serviço

A Temporada no Bar Brahma terminou, mas segundo a companhia, a partir de 18 de janeiro eles estarão no Espaço Parlapatões, com datas e horários ainda à definir. Se quiser rir e se divertir fique de olho na Página do Facebook da peça.

A música deve sempre refletir os tempos?

A cena parece tristemente comum. Um deputado conivente com um Governo corrupto comemora a salvação do Presidente. Para isso ele entoa os versos:
Tudo está no seu lugar. Graças a Deus. Graças a Deus.
A música a que esses versos pertencem foi composta por Benito di Paula, um cantor e compositor consagrado da música brasileira. Desgostoso com o contexto ao qual sua canção foi associada, o músico reclamou, dizendo que a canção tinha sido composta para sua mãe, não para o cenário de sujeira e lambança que ilustra nosso Parlamento.

Benito di Paula não gostou (com razão) da comemoração do deputado ao som de sua música. Foto: Reprodução

Leigo que sou, decido pesquisar sobre Benito de Paula.

Encontro que o músico foi duramente criticado no passado justamente pela composição dos versos acima que, mais de 40 anos depois, ajudariam o deputado a dançar.

O motivo das críticas na época do lançamento da canção, mais precisamente em 1976, foi que alguns ouvintes entenderam na canção uma posição de comodismo com relação à ditadura. Para eles, com um Governo ditador no comando, ninguém poderia jamais dizer que tudo estava no seu lugar. Pelo visto, estas pessoas não sabiam ou ignoraram que, como disse o compositor, a música era para sua mãe. Só isso. Nada de contexto social nesse caso. Nada de problemas, de politicagem. Era só uma homenagem à mãe. E qual o mal nisso?

No documentário da Netflix sobre a vida de Nina Simone, a poderosa cantora de Jazz questiona:
Como você pode ser um artista e não refletir os tempos?
Ativista ao extremo, Nina Simone é um dos exemplos de vozes que, assim como Bob Dylan, Midnight Oil, O Rappa e Gabriel, o Pensador, vivem para cantar sobre as mazelas do mundo. São artistas que se inspiram no contexto social de seus países e do mundo e daí retiram suas rimas, melodias e ritmos. Mais do que isso, são vozes que cantam por quem não pode cantar.

Nina Simone, uma das vozes mais fervorosas do mundo. Foto: Divulgação

É um ato nobre. Sem dúvidas que sim.

São artistas que usam o poder e o dom que lhes foi dado para algo maior do que o simples entretenimento.

Ainda assim, será que todo artista deve obrigatoriamente, como sugere Simone e os críticos de Di Paula, refletir os tempos?

Penso que mundo chato seria esse em que toda e qualquer canção tenha um cunho político e, consequentemente, uma carga energética pesada.

Música é uma forma de extravasar uma emoção. Seja ela o ódio pelo preconceito, seja a alegria por encontrar um amor. Seja o desprezo contra a política corrupta, seja a tranquilidade de, digamos, apreciar uma gravata de um desconhecido na rua.

O artista que reflete seu tempo é, sem dúvida um grande artista e será devidamente reconhecido pela coragem que faz pulsar nas pessoas que os ouvem. É um artista essencial para o mundo. Assim como aquele artista que celebra a vida, em qualquer detalhe ou ponto de vista. Há música para qualquer momento e tudo que é demais, cansa ou faz mal. Fã que sou do Gabriel, o Pensador, tenho que assumir que não consigo escutá-lo por tempo demais. Simplesmente porque não consigo me desligar de suas rimas. Quando o ouço, tenho que prestar atenção na letra. Tenho que compartilhar com ele minha indignação. Tenho que ficar chateado e raivoso com o meu País de merda. Não consigo ouvir Brasa ou Até Quando? e não ficar mal. Na bad, mesmo.

O Pensador, capaz de nos fazer refletir sempre, em cada verso. Foto: Divulgação

O mesmo acontece quando ouço Beatles, a banda da minha vida. É tanta romantismo que, uma hora sinto que preciso de algo mais abstrato, menos compreensível. Quem sabe até instrumental, assim eu não cismo de cantar e interpretar junto.

Há espaço para tudo na cabeça de um ouvinte médio.

Há lugar para o músico crítico e há lugar para o músico apreciador. Há também lugar para o viajante, aquele que fala do nada e do tudo e ninguém entende direito do que se trata.

Essa é uma das melhores coisas da música. Há música para tudo. Para todos. Para qualquer momento e qualquer emoção.

Aos músicos que refletem os tempos, o meu máximo respeito. Vocês não serão esquecidos. Aos que cantam sobre outras coisas, pequenas ou grandes, mas o fazem com o coração, respeito por vocês também ;)

Para não dizer que não teve música:

Show dos Novos Baianos. Uma noite de alegria e aprendizado

Show dos Novos Baianos em São Paulo, 01/09/2017

Muito antes de conhecer o som dos Novos Baianos eu conhecia de nome Moraes Moreira, Baby Consuelo e Pepeu Gomes.

Novos Baianos reunidos. Foto: Divulgação

Sempre fui mais ligado ao Rock. Ou seja, estava sempre rodeado de amigos roqueiros. E como todos amigos roqueiros do planeta, nossa conversa era basicamente sobre bandas, indicações de novas músicas, histórias sobre shows ou onde alguém encontrou um disco raríssimo.

Quando o assunto chegava nas bandas nacionais a coisa ficava feia para mim. Consumidor ferrenho do que vinha de fora, meu conhecimento se resumia a bandas inglesas e norte-americanas. Pior: tudo antigo. A maioria das bandas que eu gostava já tinham acabado há muito tempo. Eu tinha histórias para contar aos amigos, mas se o assunto fugisse daquele limitado círculo, eu passava de contador de histórias à ouvinte.

E nessas audições ouvia vez ou outra o nome de Pepeu Gomes. Não conhecia o cara. Nem sabia que ele tinha tocado nos Novos Baianos. Mas, pelo que eu ouvia, o cara era bom. O descreviam como um semideus da guitarra. O cara que faz o que quer com a música, como diria meu pai.

Pepeu Gomes, o mestre. Foto: Reprodução.

Numa época em que Youtube não passava de uma ideia no subconsciente de algum futuro gênio da internet, eu tinha duas opções: pedir emprestado algum CD do cara ou continuar ouvindo Beatles. Naquele tempo eu ainda era bastante acomodado, confesso, e continuei curtindo minhas bandas de cabeceira.

Muitos anos depois, com o comodismo superado (graças a Deus) por uma curiosidade faminta sobre músicas boas (e não apenas mais Rock, mas de tudo mesmo) acabei finalmente conhecendo os Novos Baianos.

Foi amor à primeira ouvida.

Dei sorte e comecei de cara com o disco Acabou Chorare. Considerado por muitos especialistas como uma obra-prima da música brasileira, o disco é, de fato, uma pérola. Um tesouro diferente de tudo que eu conhecia. Uma alegria pulsante, efervescente que transbordava na poesia cantada com maestria por Moraes Moreira e Baby Consuelo. E a guitarra? Ah, a guitarra. Pepeu era realmente o que meus amigos diziam. Ele não entendia de música. Ele parecia ter inventado a música. Cada solo ou acompanhamento era uma dose de vivacidade indestrutível.

Capa do disco Acabou Chorare, um clássico da música brasileira.

E o mais formidável disso tudo era a mistura. O que eles tocavam? MPB? Bossa-Nova? Samba? Rock? Na verdade eles tocavam tudo isso e muito mais. Até Tango os caras abraçaram. Tudo misturado de um jeito que os gêneros apenas de aprimoram e nunca destoam. Nada parece fora de lugar no som dos Baianos. Tudo é perfeito, redondo e bonito.

E ver isso ao vivo foi mais que um presente.

Não apenas ouvi as excelentes músicas do grupo tocadas ao vivo. Pude conhecer um pouco deles. Pude aprender com eles.

Pude sentir amizade e alegria que permeiam não só as músicas como a própria história da banda, naqueles anos em que eles, despreocupados com o mundo, viviam em comunidade em um sítio. Todos eles, amigos, morando junto e fazendo o que amavam fazer: música boa, de coração.

Ao presenciar ao vivo a perícia de Pepeu Gomes com a guitarra outra lição veio como uma flecha na mente. Afinal ele estava lá. Uma lenda da guitarra. Um cara que dominou plenamente sua arte e dela fez seu ofício. Um cara do Rock que não se prendia à estilos ou gêneros, mas, ao contrário, vivia do que gostava tocando de tudo. Sem preconceito. Sem exigir respeito, mas recebendo-o por onde quer que fosse simplesmente por ser um mestre no que faz.

Novos Baianos ao vivo em São Paulo, 1/9/2017. Foto: Felipe Andarilho

E Baby Consuelo? Se eu já havia há muito tempo me apaixonado por sua voz em canções como A Menina Dança e Tinindo Trincando, qual não poderia ser minha alegria ao vê-la ali? Cantando e dançando, exaltando a mais pura alegria de viver em cada gesto. Exatamente como eu a imaginava quando escutava seus discos.

Um dos momentos mais incríveis da noite foi com a saída temporária de Jorginho Gomes da bateria para assumir o Cavaquinho. Ele nem bem havia secado seu suor e já começou com acordes de Bilhete para Didi, numa versão mais lenta, porém extremamente emocionante. Se no disco a faixa era um exemplo de como os caras dominavam seus instrumentos, ver a música nascendo, crescendo, acelerando e explodindo ao vivo foi uma experiência arrepiante.

A voz de Moraes Moreira não é a mesma. Disso ninguém discorda. Mas o mais interessante é perceber que ninguém estava preocupado com o tom de voz dele. Era tanta energia no palco com o próprio Morais conduzindo um violão delirante que tudo o que o público queria era que aquela festa durasse mais e que cada momento ficasse bem guardado na memória.

Paulinho Boca de Cantor também contribuiu com a viagem sonora deliciosa, emprestando a voz em diversas pérolas, sendo o principal destaque a poética Mistério do Planeta. E falando em poeta, não pode passar batido o fato de a banda reservar um espaço no palco para o compositor da maioria das músicas deles: Luiz Galvão que até soltou a voz em algumas canções e declamou uma bonita poesia.

Mais do que um show, o que vi naquela noite no Espaço das Américas foi uma aula. Um aprendizado completo sobre amar o que se faz sem se preocupar com o resto. Sobre ser quem você é e fazer tudo o que fizer com alegria no coração.

Obrigado Novos Baianos.

De repente 30 e fã de Offspring

Como 30 CDs excelentes vieram parar no meu colo e me descobri, aos 30, fanático por Offspring


The Offspring. Banda do coração de muitos que curtiram os anos 90. Foto: Divulgação

Algumas pessoas tocam um instrumento tão bem que todos passam a se lembrar dela como referência naquela arte.

O mesmo acontece com quem entende muito de cozinha. Seus amigos e familiares normalmente lembram da pessoa sempre que vêem um filme sobre cheffs começando do zero ou uma receita interessante no Youtube.

Nenhum dos dois é o meu caso. Não cozinho tão bem nem faço mais que arranhar o violão.

Mas eu falo bastante de música. E já algum tempo registro algumas reflexões aqui no blog.

Talvez por isso algumas pessoas lembrem de mim quando veem algo interessante sobre música - mais em especial sobre o Rock. Isso é ótimo. Sem essa gentileza eu certamente perderia um bom punhado de novidades e vídeos divertidos.

Recentemente fui lembrado em mais uma dessas atividades. Uma colega estava se mudando para a Irlanda em poucos dias. Logo um amigo em comum me passou um recado no Zap com aqueles toques de urgência:

- Dá uma olhada no Facebook rápido!


Cair na estrada requer uma boa dose de desapego. Foto: Google.
Olhei e me deparei com uma atitude que equilibrava uma imensidão de tristeza e de coragem.

Ela e o marido estavam se desfazendo de seus CDs.

A vida de quem vai morar fora é assim. Eu sei porque eu fui e até que sinto saudades da época em que todos os meus pertences cabiam um duas malas de 23 kg cada, sem contar o excesso de bagagem.

Eu fui para a Austrália sem saber se ia voltar. Mesmo assim não me desfiz de meus preciosos CDs. Não, pois eu ainda morava com meus pais. E acho que eu não tinha tanta coragem quanto essa amiga.

Ela ia e postou que estava doando os CDs. Pilhas e mais pilha de CDs para quem quisesse pegar. Com a gentileza de nosso amigo em comum fui logo comentando que eu queria dar uma garimpada naquela coleção, talvez tão boa quanto a minha.

Pelas fotos vi nomes que me chamaram a atenção de cara. Alice in Chains, Garbage, Foo Fighters, Nirvana, Pearl Jam, Green Day. Enfim, um paraíso para quem nasceu antes dos anos 90 e viu as últimas décadas de glória do Rock.

Uma das joias que eu não tinha na coleção. Foto: Divulgação.

E vários deles eu não tinha.

Perguntei quando ela ia. Em três dias. Perguntei onde ela morava. Do lado da minha casa. Obrigado, destino.

Fui lá no dia seguinte.

Malas semi empacotadas eram os últimos resquícios de uma casa que já não tinha móveis. Tudo tinha sido vendido ou doado, segundo ela. Tristeza e coragem. E admiração, é claro. A vida na estrada pede uma série de sacrifícios e sorri ao perceber que minha amiga já estava aprendendo aquela lição antes mesmo de cair no mundo.

Vasculhei então a coleção.

Timidamente, peguei selecionei uns 10 discos. A maioria do Garbage e Alice in Chains. Ela me encorajou a levar mais:

- Achei que você ia levar tudo. Pega mais uns, ajuda a gente.

Com esse aval, decidi então pegar mais uns 20. No bolo acabei levando até alguns do Raul Seixas e todos os discos do Alice in Chains e do Offspring, bandas que eu sempre gostei, mas nada além disso. Por enquanto.

Mais uma pérola que não resisti a levar. Foto: Divulgação.

Agradeci imensamente e me despedi dela e do marido. Desejei-lhes sucesso por onde fossem. Tudo ia dar certo na estrada. Eu sabia, pois já a tinha percorrido algumas vezes. Até hoje, confesso, ainda ouço ela me chamando em determinadas noites e covardemente finjo que não é comigo. Vai haver um dia, eu espero no fundo do coração, em que eu não vou mais conseguir me fazer de surdo. Não vou mais conseguir fingir. Mas até lá vou ouvindo minhas músicas por aqui mesmo.

E quantas músicas novas-velhas para ouvir.

30 novos CDs. A maioria praticamente zerados. Passei os dias seguintes escutando-os um a um. Saboreando cada novo álbum que eu não conhecia ou nunca tinha ouvido inteiro.

Então chegou a leva do Offspring.

Para aquecer coloquei o primeiro, Smash, um disco que eu já tinha em formato digital e que adoro. Excelente como sempre, ainda melhor no CD do que no computador. Gotta Get Away e Self-Esteem nunca soaram tão vivas nos meus ouvidos.



Depois que o disco acabou, coloquei um dos últimos deles, Rise and Fall, Rage and Grace, que eu nunca tinha ouvido sequer uma canção. Me surpreendi com pauladas boas e rápidas e duas ou três canções no estilo mais rock-grudento que eles aprenderam a fazer tão bem. Ótimo.

Em terceiro lugar veio The Offspring, primeiro álbum deles, de 1989. Explosivo e bastante cru resultou numa audição boa, mas nada excepcional. O mesmo aconteceu com Ignition, o segundo álbum deles cheio de energia e boa vontade. Sem dúvida uma repetição de cada disco me faria descobrir novas camadas de percepção, mas ainda haviam outros discos para ouvir então continuei na sequência.

Foi aí que a coisa começou a ferver. Coloquei Ixnay on the Hombre, o disco que sucedeu Smash, até então meu preferido. O resultado não podia ser outro. Explosões e mais cacetadas na orelha com sonzeiras boas, suculentas. Coisas finas e bem feitas. Deliciosas de ouvir. Que disco! Ouvi três vezes seguidas e passei para o próximo.



Veio então o Fatality.

Sem misericórdia.

O belo golpe na minha pobre mente ainda não tão cansada de novas sonoridades veio com Conspiracy of One.

Logo no começo relembrei tempos de adolescente com Original Prankster. Não resisti a repetir a pérola e enviar um trecho ao meu irmão que também era fã da canção. Aliás se eu gostava um pouco de Offspring foi por causa dele de quem herdei (para não dizer surrupiei os discos Americana e Splinter que tenho até hoje). O mínimo que eu podia fazer era embalar e enviar à ele aquela pequena pérola de juventude eterna e rebelde. O cara gostou.

O disco seguiu com Want You Bad, outra pedrada boa que eu gostava e não lembrava, e explodiu minha cabeça de vez com Million Miles Away, uma música que eu tinha enterrado na memória há muito tempo. Estava lá, semi-esquecida, mas foram necessários apenas 3 segundos para que ela se redescobrisse inteira. Eu sabia a letra. Sabia o ritmo e não consegui me conter. Ouvi várias e várias vezes sempre gritando entre os versos do refrão.



Percebi que aquilo era uma das coisas que eu mais gostava no Offspring. Os gritos. Urros de guerra, bem colocados e que duelavam com a guitarra pesada ou com o vocal principal.

Percebi que gostava muito de Offspring. Gostava das pedradas, do ritmo acelerado e do Punk-Rock moderno que permeou minha adolescência junto com Green Day e Rancid. Onde eu estava naqueles dias que não ouvia Offspring, salvo quando meu irmão colocava o bom e velho Americana para tocar?

Me descobri, enfim e há 1 mês de fazer 30 anos que eu era um grande fã de Offspring.

Foram só uns 15 anos de atraso.

Mas antes tarde do que nunca, é o que dizem os sábios.

Se a banda durar mais 15 com certeza terá aqui um novo-velho fã ;)

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Obrigado Talita e Bruno pelos CDs. Vou cuidar bem deles. Vida próspera e música boa em qualquer estrada que vocês pegarem!

Obrigado Newton pelo aviso no Zapzap.