Uns Drinks

Histórias etílicas

Já contei muitas coisas sobre a minha vida no decorrer dos muitos posts já publicados. Mas algo que sempre quis fazer, mas ainda não fiz foi contar uma história. Não uma história de ficção ou um conto fantasioso, até porque não saberia por onde começar. Quero contar uma crônica, uma aventura pessoal e muito verdadeira. Não beaseada em fatos reais, mas um relato preciso e detalhado do que aconteceu naquele dia. De certa forma, acho que um dos sentidos da vida é a possibilidade de contar histórias do que você já fez. Essa é uma das muitas histórias que já vivi e tem à ver com alguns bons amigos e muita cerveja. É por isso que a contarei ao som de Velhas Virgens. Essa canção é do disco "Vocês Não Sabem Como é Bom Aqui Dentro", lançado em 1997. Segue a letra:




Uns Drinks
(Carvalho)

Tô chegando em casa
Com todo o cuidado
São três da manhã
Eu tô embriagado
Eram só uns drinks
Pra abrir o apetite
Eu Perdi o limite
E travei novamente
Tirei os sapatos
E entrei de mansinho
Você tá deitada
Lá vou eu de fininho
E se você acordar
Eu digo que levantei
Pra beber uma água
E se você não acreditar
Eu me calo e te ouço Babyy

Mas vê se não reclama muito aaaa
Meu amor
Senão eu te largo falando sozinha
E vou pro bar
A noite é minha
E eu não quero nem saber
eu te largo falando sozinha
E vou pro bar
A noite é minha
E eu não quero nem saber

Hoje é um novo dia
bebida é passado
Eu tô regenerado
Da vida vadia
Alguém me convida
Pra tomar um gole
E Pra quem é chegado
Negar não é mole
Que mal pode haver
Numa cervejinha
Uma chama a outra
a próxima é minha
E cá estou eu outra vez
Tropeçando na minha sombra
Pior vai ser
Se você resolver
Cheirar a minha boca

Mas vê se não reclama muito, meu amor
Senão eu te largo falando sozinha
E vou pro bar!
A noite é minha
E eu não quero nem saber

Eu te largo falando sozinha
E vou pro bar!
A noite é minha
E eu não quero nem saber, yeah

Eu te largo falando sozinha
E vou pro bar!
A noite é minha
E eu não quero nem saber
Eu te largo falando sozinha
E vou pro bar
A noite é minha
E eu não quero nem saber...

Se vem com sermão (te largo sozinha)
Pinga com limão (te largo sozinha)
Se vem com jeitinho (te largo sozinha)
Manda um bombeirinho (te largo sozinha)
Piada sem graça (te largo sozinha)
Manda uma cachaça (te largo sozinha)
Se vem a cavalo (te largo sozinha)
Um rabo de galo (te largo sozinha)

Eu só sei mesmo é beber
Eu só sei mesmo é beber

Dê o play e comece a viagem:



Vamos à andança...

Essa história aconteceu numa quinta-feira. Nunca esqueço o dia, pois eu trabalhei no dia seguinte e essa foi a pior parte do ocorrido. Mas o começo da história foi na tarde de quinta, quando saí do trabalho e resolvi encontrar um grande amigo com o qual já bebi mais cerveja do que o Lynyrd Skynyrd mencionou de "whisky" em suas canções. Felipe Thomas é um cara simples. As melhores pessoas que eu conheci na vida são simples. É o tipo de pessoa que se contenta tanto com a humildade de um boteco do centro quanto a complexidade de uma cara cervejaria do Itaim. Não há pontos negativos em nenhuma experiência para ele. Talvez o único ponto seja o preço da cerveja. Mas fora isso, Felipe Thomas topa qualquer desafio e aprecia qualquer bebida como um artista aprecia Monalisa. Uma das muitas reuniões que fizemos foi na tal da quinta-feira depois do serviço. Nos encontramos no centro. O boteco era singelo, mas se destacava dos demais pelos garçons que já nos conheciam e nos tratavam como verdadeiros amigos. Começamos a beber e eu lembrei de chamar meu primo, outro velho companheiro de aventuras que está sempre disposto à dar umas boas risadas na mesa de um bar qualquer. Renato trabalhava próximo ao bar e chegou ali apenas alguns minutos depois. Sentamos no balcão, lado a lado. Cada garrafa de cerveja vinha com uma dose de histórias e muitas risadas. Alinhamos as cervejas no balcão, exatamente como estávamos e, em algumas horas, pudemos contar dezoito garrafas vazias da mais pura, cristalina e deliciosa cerveja. Estávamos ficando alegres. E era quinta-feira. Isso quer dizer: chegar em casa cedo para se preparar pro trabalho de sexta e, aí sim, finalmente, proclamar liberdade por dois dias e três noites, até que o domingo acabe e traga tudo de novo. Resumindo, era quinta e não podíamos abusar. Eu era designer numa editora. Thomas fazia um bico de telemarketing e Renato cuidava das finanças de uma pequena empresa. Todos tinham suas responsabilidades e pilhas de papéis e protocolos esperando em suas respectivas mesas às sete horas da manhã do dia seguinte. Mas depois de dezoito garrafas, começamos a ficar altos e isso faz ativar a perigosa, porém deliciosa tecla do Rock and Roll no cérebro. Essa tecla te faz esquecer do amanhã. Foi logo após nós três pressionarmos a tecla ao mesmo tempo que Renato avistou um outro cliente do bar sendo servido de uma boa e velha cachaça. Talvez não tão boa assim, mas para nós qualquer coisa seria boa naquela hora. Se nos dessem xixi de gato com álcool, beberíamos. A sucessão de erros seguiu a ordem da nossa posição no Balcão. Renato disse: "Oh, uma cachacinha agora ia bem!" Eu, que estava no meio, respondi: "Opa, vamos nessa?" Nem bem pude olhar para o Thomas para ver sua reação e ele já sinalizava o garçom: "Três cachaças, por favor". Fomos prontamente servidos de três doses generosas - daquelas que só os botecos mais simples sabem servir - de uma cachaça marrom-avermelhada que lembrava gasolina. Na cor e no cheiro. Provavelmente no gosto também, mas não me lembro do gosto. Beber essa dose nos levou de um patamar de alegria do álcool para o ápice da embriaguez mais rápido que notícia ruim. Depois disso foi só a sinestesia de risadas, cores e sons aleatórios que nos acompanhou pelas ruas movimentadas do centro até quando nos separamos: Renato pegou um trem, Thomas e eu um ônibus. Não me lembro quando ele desceu do ônibus, mas por sorte minha casa ficava perto do ponto final, pois foi ali que acordei, ainda tonto e com o raciocínio mais rápido que a bateria dos Velhas Virgens. Meus pensamentos iam de pequenas percepções do mecanismo universal até tentativas frustradas, porém incansáveis de lembrar o refrão da música dos Velhas. Foi exatamente como eles descrevem em Uns Drinks que cheguei em casa. Sem sapatos, tentando respirar suavemente para não acordar ninguém. É engraçado observar que apenas o próprio bêbado acredita que está sendo silencioso, mas qualquer outro ser pode ouvir as passadas barulhentas, a respiração pesada e os "tropeços na própria sombra". Dessa vez dei sorte e minha mãe não acordou - ou talvez mais precisamente, não quis me constranger e preferiu continuar deitada. A notícia ruim chegou atrasada, mas chegou: a ressaca do dia seguinte foi tenebrosa. Fui para o trabalho com a sensação de, como diria Tarantino: "ter sido mastigado por um gigante e cuspido de volta". Ao chegar na minha mesa, comecei uma conversa interessante com meu primo, outro sobrevivente despedaçado da noitada inocente. "Cara, estou podre". "Nem me fala, minha cabeça vai estourar". "Acho que vou tentar vomitar". "Não consegui". Com o decorrer do dia e a tentativa de trabalhar sendo aliviada pelas horas que se aproximavam do almoço, melhoramos aos poucos. Meu primo achou na internet que seria bom comer pão com bacon para curar a ressaca. Alguma coisa relacionada aos aminoácidos. Tentei comer, mas tive que deixar metade do lanche sob a ameaça de botar tudo para fora imediatamente. Com o passar da tarde melhorei até um ponto aceitável de ser. Mais tarde descobri que Thomas nem tinha ido pro trabalho. "Eu disse pro meu chefe que estava de ressaca". Thomas é um cara simples. Isso inclui dizer a verdade, sem medo. Naquela semana perdemos a noite de sexta: todos foram para suas respectivas casas, afim de se recuperar apropriadamente. Troquei uma sexta pela pior ressaca da minha vida. Mas quando olho para trás e, principalmente quando ouço um bom Rock and Roll, acredito que valeu a pena. Não é sempre que pressionamos a tecla e ganhamos uma boa história ;)

Resultado daquela quinta-feira

Comentários

Renato disse…
Uma das melhores histórias de bar que já teve.

abraço!
Felipe Andarilho disse…
Épico! Valeu pelo comentário e pela presença na história.