Despertando da ilusão da boa vida
Chegou uma hora há muito esperada. O dia em que, pela primeira vez, falarei de um dos maiores nomes do Rock no Brasil. Nome este que eu não sou digno de citar, muito menos comentar à respeito. Mas sou um cara cuja inocência é perdoada pela ousadia de demonstrar um apreço significativo por esse músico e poeta que foi Raul Seixas. Para estrear a viagem sobre o Maluco Beleza, vamos ao som de uma belíssima canção do disco "Krig-Ha, Bandolo", de 1973. Segue a letra:
Ouro de Tolo
(Seixas)
Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73
Eu devia estar alegre
E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome
Por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa
Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa
Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "E daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado
Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos
Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco
É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal
E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador
Ah!
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador
Dê o play e comece a viagem:
Vamos à andança...
Ouro de Tolo é um tapa na cara. Um tiro no peito. Uma sacudia bem dada, forte o bastante para fazer o desavizado chorar e o sábio aprender. Começa pelo título. Uma referência às pedras de ferro que poderiam ser facilmente tomadas por valiosas, mas que na verdade não têm valor nenhum. Um mero instrumento de enganação. Assim como muitas artimanhas da vida. Conheci muita gente que dizia que deveríamos ser gratos por nossa educação, ainda que falha; por nossos empregos, ainda que explorativos; por nossos carros e apartamentos, ainda que precisemos da vida inteira para pagá-los. Essas pessoas também nos dizem para darmos graças aos céus por estarmos vivos num mundo tão violento e para valorizar nosso almoço suado, mesmo que este se resuma à uma coxinha fria e um copo de suco de pozinho. Nada contra esses ensinamentos. Aliás isso é realmente muito importante. Mas ser grato é uma coisa. Ser acomodado é outra. E é exatamente aí que Raul Seixas ataca com sua letra afiada e arrepiante. "Mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado" ele desabafa. E continua sua poesia declamada, emotiva, penetrante. "É você olhar no espelho, se sentir um grandessíssimo idiota. Saber que é humano, ridículo, limitado que só usa dez por cento de sua cabeça animal. E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial. Que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social". Pesado, mas nem por isso pouco verdadeiro. A sinceridade do Maluco Beleza é tamanha que sua voz atinge um nível de tristeza carregado e inconformado. Raul ataca sem dó o conformismo que temos com a vida. Logo no início ele diz que deveria estar contente e ser agradecido por ter um emprego e um corcel 73. Por ser um cidadão dito respeitável e por ter o domingo livre para ir no zoológico com a família. O problema é que Raul era um cara que pensava fora da caixa. Que não aceitava o mais ou menos quando podia ter o melhor. Que não se contentava com a mediocridade do mundo quando a sabedoria estava tão próxima das pessoas. Raul era um louco e como tal via o mundo com um olhar diferenciado. Não podia nunca tentar aceitar a mentira como regra e o errado como certo só porque ele vinha elegantemente embalado na TV e nos jornais. Raul se dizia louco e assumia sua loucura. "Prefiro ser louco num mundo em que os normais constróem bombas". Talvez devessemos ser todos loucos como ele. Quem sabe um mundo governado por loucos fosse, no fim das contas, honesto e honrado. Se o certo é fazer o errado eu prefiro agir errado e quem sabe ai, meio sem querer eu faça o certo. O Maluco Beleza, com todo seu sotaque carregado e voz aguda não podia nunca se contentar com um carro do ano, um dia da semana de folga e por ganhar seus quatro mil cruzeiros por mês. Raul queria mais. Podia mais e esperava mais do mundo. Queria acordar as pessoas para que eles também quisessem mais. Que não se contentassem com o razoável. Que fossem atrás do melhor para suas vidas. Que largassem o Ouro de Tolo em troca de um Ouro verdadeiro, valioso e reluzente. Raul era da sociedade alternativa. Para esses caras não basta ter uma vida dita perfeita - casa, carro, esposa e filhos. Para os loucos, só a felicidade verdadeira importa e esta indepente de realizações impostas pela sociedade. Como Raul, "Eu é que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar". Como Raul, devemos ir atrás do que nos move, do que nos faz sonhar e do que nos deixa realmente realizados. O ouro verdadeiro, cujo valor é inestimável e imortal ;)
Obrigado Wallace pela inspiração, conversas e viagens sobre o Mestre Raul
Chegou uma hora há muito esperada. O dia em que, pela primeira vez, falarei de um dos maiores nomes do Rock no Brasil. Nome este que eu não sou digno de citar, muito menos comentar à respeito. Mas sou um cara cuja inocência é perdoada pela ousadia de demonstrar um apreço significativo por esse músico e poeta que foi Raul Seixas. Para estrear a viagem sobre o Maluco Beleza, vamos ao som de uma belíssima canção do disco "Krig-Ha, Bandolo", de 1973. Segue a letra:
Ouro de Tolo
(Seixas)
Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73
Eu devia estar alegre
E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome
Por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa
Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa
Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "E daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado
Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos
Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco
É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal
E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador
Ah!
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador
Dê o play e comece a viagem:
Vamos à andança...
Ouro de Tolo é um tapa na cara. Um tiro no peito. Uma sacudia bem dada, forte o bastante para fazer o desavizado chorar e o sábio aprender. Começa pelo título. Uma referência às pedras de ferro que poderiam ser facilmente tomadas por valiosas, mas que na verdade não têm valor nenhum. Um mero instrumento de enganação. Assim como muitas artimanhas da vida. Conheci muita gente que dizia que deveríamos ser gratos por nossa educação, ainda que falha; por nossos empregos, ainda que explorativos; por nossos carros e apartamentos, ainda que precisemos da vida inteira para pagá-los. Essas pessoas também nos dizem para darmos graças aos céus por estarmos vivos num mundo tão violento e para valorizar nosso almoço suado, mesmo que este se resuma à uma coxinha fria e um copo de suco de pozinho. Nada contra esses ensinamentos. Aliás isso é realmente muito importante. Mas ser grato é uma coisa. Ser acomodado é outra. E é exatamente aí que Raul Seixas ataca com sua letra afiada e arrepiante. "Mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado" ele desabafa. E continua sua poesia declamada, emotiva, penetrante. "É você olhar no espelho, se sentir um grandessíssimo idiota. Saber que é humano, ridículo, limitado que só usa dez por cento de sua cabeça animal. E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial. Que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social". Pesado, mas nem por isso pouco verdadeiro. A sinceridade do Maluco Beleza é tamanha que sua voz atinge um nível de tristeza carregado e inconformado. Raul ataca sem dó o conformismo que temos com a vida. Logo no início ele diz que deveria estar contente e ser agradecido por ter um emprego e um corcel 73. Por ser um cidadão dito respeitável e por ter o domingo livre para ir no zoológico com a família. O problema é que Raul era um cara que pensava fora da caixa. Que não aceitava o mais ou menos quando podia ter o melhor. Que não se contentava com a mediocridade do mundo quando a sabedoria estava tão próxima das pessoas. Raul era um louco e como tal via o mundo com um olhar diferenciado. Não podia nunca tentar aceitar a mentira como regra e o errado como certo só porque ele vinha elegantemente embalado na TV e nos jornais. Raul se dizia louco e assumia sua loucura. "Prefiro ser louco num mundo em que os normais constróem bombas". Talvez devessemos ser todos loucos como ele. Quem sabe um mundo governado por loucos fosse, no fim das contas, honesto e honrado. Se o certo é fazer o errado eu prefiro agir errado e quem sabe ai, meio sem querer eu faça o certo. O Maluco Beleza, com todo seu sotaque carregado e voz aguda não podia nunca se contentar com um carro do ano, um dia da semana de folga e por ganhar seus quatro mil cruzeiros por mês. Raul queria mais. Podia mais e esperava mais do mundo. Queria acordar as pessoas para que eles também quisessem mais. Que não se contentassem com o razoável. Que fossem atrás do melhor para suas vidas. Que largassem o Ouro de Tolo em troca de um Ouro verdadeiro, valioso e reluzente. Raul era da sociedade alternativa. Para esses caras não basta ter uma vida dita perfeita - casa, carro, esposa e filhos. Para os loucos, só a felicidade verdadeira importa e esta indepente de realizações impostas pela sociedade. Como Raul, "Eu é que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar". Como Raul, devemos ir atrás do que nos move, do que nos faz sonhar e do que nos deixa realmente realizados. O ouro verdadeiro, cujo valor é inestimável e imortal ;)
Obrigado Wallace pela inspiração, conversas e viagens sobre o Mestre Raul
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Parabéns!!!
Parabéns!!!