Mmm Mmm Mmm Mmm: mais que um monte de Ms

Canção triste ou piada do Rock, música dos Crash Test Dummies é uma verdadeira obra de arte

Lembro como se fosse ontem quando ouvi Mmm Mmm Mmm Mmm pela primeira vez. Algum colega da escola tinha vindo em casa e baixado algumas canções. Quando vi aquele monte de Ms seguido pelo nome da banda igualmente curioso de Crash Test Dummies, não pude deixar de conferir. Eu era um moleque que não conhecia quase nada de música, mas ainda assim soube que era uma canção incomum. É estranho como sabemos quando estamos diante de uma música especial. Talvez 1 música à cada 100 possa ser classificada assim. De qualquer maneira, eu sabia que a canção dos murmúrios era parte desse panteão. Não à toa, a obra me acompanha até hoje e quando a escuto numa rádio, um filme passa pela minha cabeça. Segue a letra:

Crash Test Dummies. Divulgação.


Mmm Mmm Mmm Mmm
(Roberts)

Once there was this kid who
Got into an accident and couldn't come to school
But when he finally came back
His hair had turned from black into bright white
He said that it was from when
The car had smashed so hard

Mmm Mmm Mmm Mmm
Mmm Mmm Mmm Mmm

Once there was this girl who
Wouldn't go and change with the girls in the change room
But when they finally made her
They saw birthmarks all over her body
She couldn't quite explain it
They'd always just been there

Mmm Mmm Mmm Mmm
Mmm Mmm Mmm Mmm

But both girl and boy were glad
'Cause one kid had it worse than that

'Cause then there was this boy whose
Parents made him come directly home right after school
And when they went to their church
They shook and lurched all over the church floor
He couldn't quite explain it
They'd always just gone there

Mmm Mmm Mmm Mmm
Mmm Mmm Mmm Mmm

Dê o play e comece a viagem:



Vamos à andança...

Difícil dizer o que foi exatamente que me fascinou em Mmm Mmm Mmm Mmm. Mais fácil afirmar que foi o conjunto da obra. O título engraçado, a melodia triste, a voz gravíssima de Brad Roberts, a bateria perfeita, o refrão curioso, a ponte emocionante, o piano maravilhoso. Tudo na canção dos Crash Test Dummies é especial. Não é à toa que é a música mais famosa da banda que, fora essa, infelizmente não emplacou qualquer outro sucesso mundial.

Até tentei buscar mais. Queria mais canções daquela. Ouvi o disco "God Shuffled His Feet" (1993) quase inteiro, mas nenhuma outra canção tinha aquela força, aquela beleza.

Eu gostava de ouvir em algum dia especialmente triste. Por alguma razão a obra servia especialmentge bem quando eu descobria, por exemplo, que a menina de quem eu gostava tinha resolvido começar a namorar o mauricinho da classe. Era quase uma abertura de Anos Incríveis. Crash Test Dummies bem poderia tocar no lugar de Joe Coker, sem perder nem 1% do drama e da emoção e eu bem podia ser o Kevin Arnold, sem é claro, o mesmo talento para atuar...

Até a letra era intrigante. Eu já arranhava um pouco o inglês graças aos Beatles e aos Vídeo-Games então conseguia pegar um pouco da ideia da poesia. Um garoto que sobreviveu à um acidente de carro e chegou à escola com os cabelos misteriosamente brancos. Uma garota que tinha manchas no corpo e por isso evitava se trocar com as outras meninas no vestiário. E por último, mas não menos importante e apresentado por uma ponte cujo coro diz de forma arrepiante: "Mas a menina e o menino estavam felizes, pois havia uma criança pior que eles": um menino cujos pais o obrigavam a ir para casa direto da escola e depois iam para a igreja, onde "se jogavam e sacudiam no chão".

Capa do single Mmm Mmm Mmm Mmm

Eu sentia um pouco de medo, eu confesso. Havia algo estranho naquela música. Mas era um medo que fascina mais do que assusta. E assim eu seguia ouvindo, viajando e tentando entender. Quem eram aqueles personagens? Por que a banda contava a história deles? O que eles queriam dizer?

Com o tempo e com a ajuda do clipe da canção que eu só fui ver pela primeira vez há uns dois anos, cheguei à uma conclusão pessoal de que a obra falava do lado "estranho" de cada pessoa. Geralmente quem não se enquadra num perfil social comum acaba sendo visto como estranho pelos demais, um pária que não deve ser bem-vindo ao grupo e cujo comportamente deve ser questionado à todo tempo. É o caso daquele colega silencioso e sério que não participa de nenhum Happy Hour da empresa e por isso é tido como "O Esquisitão". Nos versos da banda, esse perfil outsider é representado pelo garoto que ficou com cabelos brancos após o trauma e pela menina com manchas de nascença no corpo.

O fato deles se sentirem melhor do que a última criança é o mais intrigante e talvez o ponto mais importante e crítico da canção. Afinal, ambos personagens possuem "problemas" ou "questões" físicas (cabelo, manchas e nascença) vítmas de eventualidades da vida. Já o terceiro elemento possui uma diferença psicológica ou espiritual, induzida voluntariamente pelos pais que participavam dos ritos dramáticos e, quem sabe, assustadores da igreja, enquanto o menino não tinha permissão de socializar com os outros colegas.

É antes de tudo uma canção triste. Isso está claro na instrumentação, sobretudo na levada do piano, e evidenciada na letra quando analisada com calma. Ainda assim, é uma música de beleza e inspiração pouco encontradas. Se a canção tornou-se uma piada interna de quem gosta de Rock por seu título impronunciável, tanto melhor, afinal o marketing em torno do nome também ajudou a divulgar uma banda underground que poderia ter ficado relegada ao lado B da música.

Mmm Mmm Mmm Mmm é tão especial que consegue ser invocada num momento triste para ajudar a superar a melancolia ou numa viagem de carro com os amigos onde todos se divertem tentando imitar a voz de Brad Roberts no refrão inusitado ;)

Comentários

Unknown disse…
Muito bom, obrigado.
Essa canção é lindamente intrigante!
Bom trabalho.
cariocah21 disse…
Fantástica observação. Obrigado. Poderia falar um pouco de One Of US, de Joan Osborne, Wonderwall, de Oasis e Wuthering Heights, de Kate Bush?
Obrigado!
Raposa disse…
Adorei ver que alguém, assim como eu agora tive a necessidade, se preocupou seriamente em pensar no significado e não na tradução.
Como compartilhou sua visão, em sinal de amizade deixo um pensamento que tenho...será que todas as crianças diziam a verdade? Ou estavam ocultando, da melhor forma que podiam, suas violências doméstica?