Abundância e Impaciência: o que 3 meses de Spotify me mostraram

É legal perceber como as pessoas estão atualmente dispostas à pagarem por serviços que consideram bons e acessíveis.

Dei uma chance ao Spotify. Veja como foi a experiência

Talvez seja devido ao aumento do poder de compra. Ou talvez seja o aumento da consciência. Ou ainda talvez o motivo seja que não havia esse tipo de produto no mercado naquela época. Gosto de pensar que é um pouco de cada. Vivemos e aprendemos. A internet ainda é uma criança e, como tal, não cansa de nos surpreender com sua constante evolução e madurez.

Lembro quando eu era garoto do Napster. Era o sonho que todo adolescente (e adulto, acredito) tinha: um local para ouvir qualquer música do mundo de graça. Você não precisava mais ir à uma loja e gastar um bom punhado de reais num CD nem esperar dias e mais dias para ouvir aquela canção especial no rádio e torcer para gravá-la numa fita K7 sem que o locutor falasse o nome da emissora no meio do solo.

Napster. Mesmo ilegal, fez a alegria de muita gente nos anos 90.

O Napster foi, sem dúvida, uma revolução. Foi ilegal, é claro. Nada tão bom quanto aquilo poderia ser de graça. Mas ainda assim fez sua parte na contribuição para que muita gente pudesse ter acesso às músicas que apreciava. Durou pouco, mas abriu caminho para o Kazaa, Morpheus, Emule e dezenas de outros softwares voltados para compartilhamento de arquivos.

Querendo ou não a porteira havia sido aberta. A partir daí passou a tornar-se cada vez mais difícil parar a pirataria. À cada dia novos arquivos, discos, filmes, livros e softwares eram disponibilizados. Com a criação de sites específicos para upload e download de arquivos como Mediafire, Megaupload e Rapidshare a coisa ficou ainda mais prática. Não era preciso mais um software, apenas um link possível de ser aberto em qualquer navegador.

Netflix. Barato e simples, deu um drible na pirataria.

Demorou uns 15 anos, mas as grandes corporações da mídia finalmente aprenderam a contornar a situação. A resposta, na verdade, estava mais próxima do que eles podiam imaginar: por que elas mesmas não disponibilizavam o conteúdo por um preço mais aceitável? Assim fizeram. E não é que a coisa deu certo? Enquanto quase ninguém mais estava disposto à pagar R$20 em um CD ou R$8 num aluguel de filme, a solução foi cobrar um valor quase simbólico e deixar à cargo do consumidor a escolha sobre o que ele queria de verdade.

Assim nasceu o Netflix. Pelo preço de 2 filmes alugados no mês, o cliente tem à disposição mais de 1.000 títulos.

Assim nasceu o Spotify. Pelo preço de 1 CD no mês, o cliente tem à disposição milhões de músicas.

O sucesso dessas plataformas só mostra que o público estava sim disposto à abrir mão da pirataria, desde que o preço fosse honesto.

Demorei para aderir ao Spotify, principalmente por eu ter em casa uma coleção de CDs suficiente para meses de audição sem repetir. Talvez eu nunca tivesse assinado o programa se não fosse uma promoção que eles fizeram. 3 meses de Spotify por R$2 ao mês. Como perder? Resolvi então testar a plataforma.

Como Sam Tarly do Game of Thrones na Biblioteca da Cidadela. Foi assim que me senti nesses 3 meses de Spotify.

A primeira coisa que percebi foi que o acesso às músicas é praticamente ilimitado. Há abundância de canções é realmente estonteante. Com exceção de 2 ou 3 bandas que não encontrei, todas as outras tinham lá sua página com informações e discografia quase completa. Para quem gosta de descobrir bandas o Spotify é um prato cheio. Servindo como ferramenta para divulgação de bandas menores, o programa torna-se um porto seguro para que essas bandas tenham seu material publicado e que os interessados os encontrem e sigam suas atividades. XYZ e Big Cock são exemplos de bandas das quais antes eu achava canções com certa
dificuldade, mas, graças ao Spotify, pude conferir não só os discos que já conhecia, mas outros pedaços maravilhosos de suas discografias.

Até mesmo meu caro Jack Johnson tinha lá alguns trabalhos que eu não tinha conhecido. Nomes brasileiros como Tim Maia, Jorge Ben e Novos Baianos também foram muito explorados pela minha sede de música boa e, por meio da ferramenta, descobri várias canções e álbuns que eu nunca tinha tido a oportunidade de ouvir e talvez nunca tivesse acesso, não fosse por ali.

Nem tudo são flores no Spotify, porém. Nos 3 meses em que degustei o produto não foram raros os casos em que não encontrei uma canção específica. Acredito que eu seja exceção e não regra no público do Spotify. As pessoas o assinam para ter música boa à mão de forma fácil e rápida. Não à toa há dezenas de listas prontas que fazem muito sucesso. Raros são os usuários que buscam uma música em especial. Mas é o meu caso e, vez ou outra, me vi nessa situação de ter que fechar o programa e recorrer ao bom e velho Youtube ou ainda ao meu bom e velho HD para ouvir uma pérola que, por algum motivo, não estava no Spotify.

E foi assim que me senti ouvindo uma música não tão boa no Spotify.

Outra reação curiosa que desenvolvi enquanto mergulhava no oceano musical do programa foi que passei a me tornar mais impaciente.

Por anos fui acostumado à ouvir discos inteiros. Quando quero ouvir uma artista, normalmente quero ouvir um álbum dele e não apenas uma música. É um hábito velho de quem ouve muito CD. Com a abundância do Spotify, porém, me tornei menos paciente, mesmo com as melhores bandas. Enquanto ouvia um disco, bastava uma canção não tão boa para, ao invés de esperá-la terminar ou pulá-la e continuar com o álbum como sempre fiz, eu passava a mudar de artista. Me irritava facilmente com canções mediana e ia da água para o vinho com facilidade. Bastava digitar o nome de uma nova banda e, pronto, a trilha estava renovada.

Isso não torna o Spotify uma experiência melhor ou pior do que ouvir um álbum no aparelho de som. É apenas uma característica da ferramenta. Com tanto à disposição você não quer perder tempo com algo na média. Você só quer o filet mignon. A sempre presente lista de 5 mais tocadas de cada artista ilustra bem o ponto. Oferecer acesso a milhões de músicas é apenas um chamariz. O produto real que o Spotify vende é que lá você vai ouvir as músicas mais populares, as modinhas da vez e as clássicas de todos os tempos. Raros são os que irão mais à fundo do que a primeira camada do Spotify. Uma pena, pois, como relatei acima, há muito ali à ser encontrado e desfrutado.

CDs. Um amor difícil de matar, pelo menos no meu caso.

Ao fim do período promocional pensei muito se devia ou não manter a assinatura, agora pelos padronizados R$19,00 ao mês. O preço de 1 CD por mês. Confesso que fiquei tentado, mas no fim das contas, acho que ainda prefiro 1 CD novo por mês. Pode ser um hábito velho, mas é uma rotina da qual gosto. Ouvir o disco inteiro. De ponta a ponta. Ler seu encarte. Ver as fotos do grupo tão cuidadosamente tiradas. Conhecer cada detalhe do trabalho daquela banda que tanto aprecio. Ouvir as canções que ninguém sequer vai chegar a ouvir, mesmo elas estando lá, disponíveis no Spotify e implorando por uma audição. E quem disse que preciso pular uma faixa ruim? O álbum é um trabalho completo e, mesmo ruim, aquela faixa merece pelo menos uma audição. Talvez eu descubra, umas 5 escutadas depois, que ela não era assim tão ruim. Cansei de constatar isso na vida. Aliás, cansei de constatar como músicas que eu aparentemente não gostava se tornaram minhas preferidas depois de um tempo. É esse o poder do álbum. Como um bom livro ou filme ele não te deixa repetir a história só porque você o assiste pela segunda vez, mas te faz conhecer uma nova história em cada repetição.

Ainda assim, não acredito mais que os álbuns ainda sejam o formato correto para os artistas. Os tempos mudam. Está aí o Netflix e o Spotify para mostrar que a pirataria pode ser amigavelmente substituída pela honestidade. E se o público quer apenas hits, é nos hits que as bandas devem focar. Caso contrário as faixas restantes do álbum estarão fadadas ao desconhecimento eterno num oceano de músicas das quais algumas são certamente boas e outras precisam de uma chance à mais ;)

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