Uma vez na vida

Uma canção para refletir sobre realização pessoal

Talking Heads é uma das geniais bandas underground dos anos 80. Você provavelmente já ouviu no rádio em algum Rock Bar e até deve cantar junto as vocalizações de Psycho Killer, mas talvez não saiba que há diversas canções da banda tão boas quanto essa. É o caso de Once In a Lifetime, do disco "Remain in Light", lançado em 1980. Segue a letra:




Once in a Lifetime
(Byrne/Eno/Frantiz/Harrison/Weymouth)

And you may find yourself living in a shotgun shack
And you may find yourself in another part of the world
And you may find yourself behind the wheel of a large automobile
And you may find yourself in a beautiful house, with a beautiful
Wife
And you may ask yourself, "Well... how did I get here?"

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

And you may ask yourself
How do I work this?
And you may ask yourself
Where is that large automobile?
And you may tell yourself
This is not my beautiful house!
And you may tell yourself
This is not my beautiful wife!

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

Same as it ever was...Same as it ever was...Same as it ever was...
Same as it ever was...Same as it ever was...Same as it ever was...
Same as it ever was...Same as it ever was...

Water dissolving...and water removing
There is water at the bottom of the ocean
Carry the water at the bottom of the ocean
Remove the water at the bottom of the ocean!

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again in the silent water
Under the rocks and stones there is water underground

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

And you may ask yourself
What is that beautiful house?
And you may ask yourself
Where does that highway go?
And you may ask yourself
Am I right? Am I wrong?
And you may tell yourself, "MY GOD! WHAT HAVE I DONE?"

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again in the silent water
Under the rocks and stones/there is water underground

Letting the days go by, let the water hold me down
Letting the days go by, water flowing underground
Into the blue again after the money's gone
Once in a lifetime, water flowing underground

Same as it ever was
Same as it ever was
Same as it ever was
Look where my hand was
Time isn't holding up
Time isn't after us
Same as it ever was
Same as it ever was
Same as it ever was...

Dê o play e comece a viagem:



Vamos à andança....

A vantagem de falar de uma canção como Once in a Lifetime é que, se você ainda não a conhece, vai bastar uma audição para admirá-la e, talvez, adiciona-la à sua playlist de canções favoritas. Afinal, é uma canção cativante, sobretudo no refrão que nos faz querer decorar e cantar junto. Mas você talvez descubra que há muito mais por trás desta canção do que um balanço sensacional, uma guitarrinha crua e frenética e backing vocals inspirados.

Você já se perguntou se você vive a vida que você sonhava em viver? Ou será que vive a vida sonhada pela sociedade? Eu me pergunto isto diversas vezes. Chego até a discutir comigo mesmo, pois há uma série de obrigações que temos que acatar e sapos que temos que engolir em nome da sobrevivência diária e fica difícil dizer se ainda resta algo de autônomo e independente em nossas vidas.


É sobre isso que os Talking Heads nos fazem refletir, num tom bem humorado graças à voz de David Byrne que praticamente declama os versos deixando o canto para o refrão. O vocalista diz com sua voz caricata: "E você pode descobrir-se vivendo em um barraco. E você pode descobrir-se em outra parte do mundo. E você pode descobrir-se dirigindo um grande automóvel. E você pode descobrir-se numa bela casa, com uma bela esposa. E você pode perguntar a si mesmo: bem, como foi que eu cheguei aqui?". Pode parecer uma canção sobre a auto-realização, mas é exatamente sobre o questionamento de tais realizações.

Depois do refrão e de versos mais, digamos, surreais, somos apresentados ao cenário descrito por Byrne, porém com modificações nas palavras-chave: "E você pode perguntar-se: o que eu faço com isso? E você pode perguntar-se: onde está aquele grande automóvel? E você pode dizer a si mesmo: esta não é minha bela casa! E você pode dizer a si mesmo: esta não é minha bela mulher!"


Nas primeiras vezes em que ouvi essa canção, eu imaginava que se tratava de algum enredo do tipo que os filmes de ficção científica adoram em que o protagonista vai descobrindo aos poucos que não faz parte daquele mundo. Ele percebe então que teve sua memória apagada para se enquadrar num cenário desejado pelas autoridades. Na verdade a letra não foge muito disso. Afinal, na última parte declamada por Byrne, os versos são: "E você pode se perguntar: o que é aquela bela casa? E você pode se perguntar: para onde aquela estrada leva? E você pode se perguntar: estou certo? Estou errado? E você pode dizer a si mesmo: "Meu Deus, que foi que eu fiz?".

A última pergunta mostra que não se trata, afinal, de um filme de ficção, pois se fosse, seria: "O que fizeram comigo?" O fato do narrador perguntar a si mesmo o que ele fez entrega que não estamos falando de uma conspiração externa, mas sim de uma armadilha que nós mesmos preparamos - algumas vezes inconscientes, outras por vontade própria. Trata-se da armadilha da "vida perfeita". Somos constantemente bombardeados pela mídia, pela sociedade, pela religião e agora, mais do que nunca, pelas redes sociais, para nos tornarmos não quem nós queremos ser, mas quem eles querem que sejamos. O sonho americano é vendido dia e noite. A imagem de sucesso e status está resumida, como o próprio Talking Heads diz, a um grande automóvel, uma bela casa e uma bela esposa.


Qualquer fuga dessa imagem de "vida perfeita" é entendida pelos outros como loucura, burrice ou esquisitice. Não podemos culpá-los: eles foram condicionados pela mesma e poderosa máquina. "Assim como sempre foi", repete Byrne, hipnótico e, não por acaso, imitando uma marionete no clipe sensacional da canção. Infelizmente essas pessoas não vêem os próprios cordões que as controlam. Alguns são ainda piores: se apaixonam pela ilusão. Optam pela pílula azul do Matrix e preferem à confortável mentira do que a dolorosa verdade. Aquela que diz que ninguém e nada é responsável pela sua realização interior. A verdade de que bens materiais, status e sucesso na carreira não são necessariamente sinônimos de felicidade. Ao contrário, são muitas vezes o obstáculo que existe entre você e a verdadeira alegria: a pura e simples alegria de estar vivo. Uma vez que se tem, se quer mais. E uma vez nessa busca incessante pela felicidade em coisas externas, torna-se cada vez mais difícil encontrá-la dentro de nós mesmos.


Não nos esqueçamos de que, como disseram vários sábios: a vida é uma ponte e não se deve construir casas sobre elas. Tudo é passageiro e não faz bem à nossas mentes nos apegar à essas coisas, pois não podemos carregá-las conosco depois que essa vida terminar. Isso só nos atrasa em nossa jornada de evolução pessoal. Veja bem, não estou dizendo que devemos doar tudo que temos e viver na miséria (embora não duvide do poder que essa lição traria). Não há nada errado em ter coisas. O problema é quando você passa a ser essas coisas. Quando a sua personalidade e realização social é mais importante do que o que você é, de verdade, por baixo das camadas. Pense nisso. Ouça Talking Heads e pergunte a si mesmo: "Meu Deus, o que foi que eu fiz?"

A vida é curta. Vale a pena gastá-la correndo atrás de coisas que não precisamos efetivamente para sermos felizes? Corra atrás do que realmente importa e talvez você possa um dia, não questionar, mas dizer: "Meu Deus, valeu a pena" ;)

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