O melancólico fim das lojas de CDs

Há mais de 10 anos atrás lembro de ter lido uma nota sobre o fechamento da última loja Virtual Music, uma rede de lojas nos principais pontos de São Paulo, incluindo grandes shoppings centers. Quando se preparava para fechar sua última porta, algum diretor ou responsável da marca alegou que o fim da empresa se dava, principalmente, por causa da pirataria e do monopólio de grandes lojas de departamentos que vendiam CDs à preços de banana.

Loja de CDs, uma espécie em extinção


Eu mesmo que já comprei vários discos do ACDC na Americanas à R$9,90 não posso contradizer a pessoa, embora o catálogo desse tipo de loja sempre tenha sido pobre e a Virtual Music tenha sido sempre, na minha opinião, uma loja cara.

Seja como for, nessa década que se seguiu, muitas outras lojas de CDs continuaram existindo e vendendo os discos que ainda teimavam em ser lançados. A coisa, porém, foi inevitavelmente diminuindo até o CD se tornar um artigo de última atenção relegado à algumas poucas prateleiras no fundo de lojas como Fnac e Saraiva. Por algum mistério cerebral do homem, até mesmo o Vinil, remodelado como artigo de luxo para colecionador, voltou a ganhar mais importância e atenção no ponto de venda do que o bom e velho CD.

Lojas de rua dedicadas à comercialização da música foram aos poucos rareando e trocando de atividades, tornando o CD atualmente quase uma exclusividade dos Sebos.

Percebi isso mais do que nunca caminhando outro dia pela Avenida Paulita.

Havia ali, desde que me entendo por gente, no meio de bancos e empresas poderosas, uma última remanescente da Força Musical. Era a BRJ CDs, entre as estações Brigadeiro e Masp. Era ali que eu, sempre que de passagem na frente da loja, parava alguns minutos para conferir os disquinhos e eventualmente levar alguma "oportunidade".

Adepta da estratégia de atrair o povão, os caras da BRJ deixavam sempre um Forronejo ou um Tecnobrega rolando alto na entrada juntamente com uma baciada de CDs meia boca à R$5,90.

Mas era só ter foco e ultrapassar esse campo de força maligno para chegar à sessão de Rock. Os vendedores pareciam até estranhar quem buscasse o gênero, mas a loja era, na verdade, muito bem servida no quesito. Organizados de A à Z como nas melhores lojas, haviam centenas de CDs das mais variadas vertentes. Do metal ao punk. Do pop ao classic. Foi ali que, se não muito me engano, comprei o disco Tattoo You, dos Rolling Stones; o One Hot Minute do Red Hot Chili Peppers e uma coletânea do The Doors, para citar apenas alguns.

A última vítima dos tempos, BRJ

Quem me conhece sabe que, devido ao meu consumo quase compulsivo por CDs, estipulei para mim mesmo um teto de R$20 por álbum comprado. Ou seja todos os discos que comprei na BRJ tinham esse preço "camarada".

Eis que, passando por ali outro dia, percebi que os caras tinham agora uma prateleira de doces na entrada, embora os CDs ainda estivessem lá, mais ao fundo. Com pressa, não pude me dar ao luxo de garimpar discos como sempre fiz, então decidi passar por lá outro dia. Quando consegui, descobri que a BRJ havia se convertido, agora completamente, numa loja de doces - negócio típico na capital paulista, especialmente perto de centros comerciais.

Era, enfim, mais uma guerreira caída vítima dos tempos e das mudanças de mercado.

10 anos depois da grife Virtual Music, a singela BRJ também se foi. Ainda existem umas poucas lojas de CDs em São Paulo, a maioria delas espalhadas pelo centro, como a também clássica Nany CDs, mas o tempo se mostra implacável com quem se dedica à comercializar música. A própria Nany que ficava na Sé já foi muito visitada pela minha pessoa, mas uns anos atrás deu lugar à uma loja de penduricalhos femininos, restando ainda algumas lojas da rede em outros pontos do centro.

Uma das últimas lojas de CDs em São Paulo

Em tempos de Spotify, em que R$20 te dão acesso ao mundo de música e a praticamente todos os CDs de uma determinada banda, fica cada vez mais óbvia a constatação de que álbuns não dão retorno financeiro. Se dão pouco para o artista, menos ainda para o comerciante que nos últimos anos não teve outra opção que não a de fechar as portas e mudar de negócio.

Além de constatar um fim melancólico, ao menos para quem ainda apreciava tirar o plastiquinho e examinar o encarte de um CD novo, a observação sobre o fim das lojas de CDs serve como alerta aos artistas. É, mais do que nunca, tempo de se reinventar e pensar em novos formatos para lucrar. Sem locais para vender discos e obviamente sem ganhar nada com os R$20 da assinatura do Spotify, cabe aos músicos desbravarem as oportunidades que a internet e a tecnologia trazem como financiamento coletivo, auto-financiamento, canais de vídeo, dentre outros.

Talvez o erro tenha sido, como coloca um executivo da Tower Records no excelente documentário "All Things Must Pass: A Ascenção e Queda da Tower Records", que os comerciantes estavam empurrando a venda de CDs inteiros, enquanto as pessoas queriam apenas uma ou duas músicas. Aposto uma caixa de cerveja que a maioria das pessoas que paga R$20 pelo Spotify nunca ouviu um disco completo de uma banda, mas sim várias músicas de inúmeros artistas diferentes, ou mais precisamente, as famosas playlists.

Como o nome diz, Tudo Deve Passar. Até mesmo os CDs

É triste perceber, mas já passou da hora dos artistas esquecerem o formato de lançamento em álbuns e se concentrarem no lançamento de canções que sejam boas o bastante e independam de outras 9 medianas para formar um disco e justificar sua compra.

Agora o bom artista terá que trabalhar em cada música como se ela fosse um álbum. Se possível com conceito, com clipe e com o barulho todo que um disco sempre precisou. O que não se pode é lançar uma música boa e sumir, como as boas e velhas One-Hit Wonders. Aliás, se isso acontecer a chance dessa canção ser uma das mais escutadas no Spotfy num futuro próximo é bastante alta ;)

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