Caronas e músicas
Não me canso de me admirar com a forma como algumas coisas chegam até nós. Há pessoas, experiências e, é claro, músicas que aparecem em nossas vidas de forma tão misteriosa que chegamos à pensar como aquele personagem do filme de Spyke Lee, que diz: "Se não fosse por muito, muito, muito pouco, nada disso teria acontecido". Foi numa dessas circunstâncias que conheci Bajofondo, um grupo argentino de tango eletrônico que tenho a honra de apresentar no blog. Essa saiu em 2007, no disco "Mar Dulce". Segue a letra:
Zitarrossa
(Santaolalla/Campodónico/Supervielle/Loza)
Ladies and Gentleman
The man, his music
He is ours tonight
He is here
Alfredo Zitarossa
La milonga es hija de candombe
Así como el tango
Es hijo de la milonga
Dê o play e comece a viagem:
Vamos à andança...
Há alguns anos atrás eu ia bastante para Bauru. Na maioria das vezes, ia de carona. Era um esquema tão interessante que devia ser expandido para qualquer tipo de viagem. Havia um grupo no semi-defunto Orkut em que pessoas interessadas em diminuir suas despesas com uma viagem até Bauru (ou de lá até São Paulo) ofereciam lugares em seus carros para outros viajantes. Era bom para os motoristas que salvavam boa parte da despesa do trajeto, mas era melhor ainda para os caroneiros. Saia menos da metade do valor de uma passagem de ônibus e chegava bem mais rápido. Mas o bônus desse tipo de viagem era bacana para ambas as partes da relação: a oportunidade de conhecer pessoas diferentes toda hora. Fiquei nesse esquema viajante por pouco mais de um ano, indo para lá numa média de duas vezes por mês e raras foram as vezes peguei carona com o mesmo motorista. Eram muitas pessoas. E muitas, muitas histórias. Cada uma com uma razão diferente para viajar. Cada um com seus próprios sonhos discutidos, seus próprios pequenos problemas compartilhados e seu próprio gosto musical. Foi assim que fui apresentado ao Bajofondo. Certa vez peguei carona com um simpático casal. A menina era uma loira alta e bonita. O rapaz parecia o Bob Dylan. Estavam juntos há um bom punhado de anos, o suficiente para não terem de esconder nada um do outro. Eu admirava a relação que eles tinham e gostava de pegar carona com eles, mas só tive essa oportunidade duas vezes. Na primeira delas, a garota ouvia um tal gênero meio lounge, bastante suave, completamente viajante. Seu ritmo delirante como um sonho era composto por batidas eletrônicas e acordeões, violinos e vozes em espanhol. Era perfeito para a estrada. Especialmente se a viagem fosse à noite - como na maioria das vezes era. Perguntei se era Gotan Project, pois nessa época minha biblioteca mental só conseguiria associar o som à esse nome. "Melhor ainda que Gotan Project", foi a resposta dela. À partir desse dia fui fisgado pelo disco "Mar Dulce" e por toda a mistura de ritmos dessa banda tão excepcional. A maestria com que eles mesclam ritmos computadorizados com instrumentos clássicos do estilo musical argentino é tão grande quanto a destreza de dois dançarinos de tango ao fundir o sexual e o romântico numa dança certeira e penetrante. Zitarrossa se tornou minha canção preferida do disco. Talvez haja uma ironia aí. Essa canção é a mais orgânica do álbum. Não é tão eletrônica quanto o resto, embora sua batida seja precisa e os efeitos sonoros muito agradáveis. A mixagem na voz da cantora e do próprio Alfredo Zitarrossa, é impecável, com a alternância de discursos sendo um ponto essencial na viagem dessa obra prima. O ponto mais alto, no entanto é exatamente o oposto da modernidade. Trata-se de um dedilhado no violão, tão primoroso e delicioso de ouvir que torna qualquer outro instrumento ou efeito, desnecessário. O violão está presente em todos os momentos. No começo, é apenas uma sucessão de acordes que casa perfeitamente com o ritmo tranquilo. No entanto, quando a apresentadora diz o nome do homenageado, somos presentados com o citado dedilhado. Esse trecho é perfeito em todos os sentidos mensuráveis e conceituais. Dizem que Alfredo Zitarrossa foi um importante jornalista e músico uruguaio. Infelizmente, ainda não conheço nada à seu respeito, mas se a homenagem aqui prestada faz jus aos seus feitos, posso concluir que o homem foi grande em vida. Ouvindo esse violão, essa batida e essa viagem - apenas com essa informação - posso concluir que Zitarrossa fez coisas boas para esse mundo. Posso dizer que seus atos - seja lá quais forem - trouxeram amizade e sabedoria às pessoas à sua volta. Sua proeza se reflete nas mãos competentes de uma banda de outro país. Assim como essa interligação é mágica e bonita, o fato de ela ter chegado à mim numa carona noturna pelas estradas da vida, só torna tudo ainda mais fascinante ;)
Alfredo Zitarrossa. O Johnny Cash uruguaio.
Não me canso de me admirar com a forma como algumas coisas chegam até nós. Há pessoas, experiências e, é claro, músicas que aparecem em nossas vidas de forma tão misteriosa que chegamos à pensar como aquele personagem do filme de Spyke Lee, que diz: "Se não fosse por muito, muito, muito pouco, nada disso teria acontecido". Foi numa dessas circunstâncias que conheci Bajofondo, um grupo argentino de tango eletrônico que tenho a honra de apresentar no blog. Essa saiu em 2007, no disco "Mar Dulce". Segue a letra:
Zitarrossa
(Santaolalla/Campodónico/Supervielle/Loza)
Ladies and Gentleman
The man, his music
He is ours tonight
He is here
Alfredo Zitarossa
La milonga es hija de candombe
Así como el tango
Es hijo de la milonga
Dê o play e comece a viagem:
Vamos à andança...
Há alguns anos atrás eu ia bastante para Bauru. Na maioria das vezes, ia de carona. Era um esquema tão interessante que devia ser expandido para qualquer tipo de viagem. Havia um grupo no semi-defunto Orkut em que pessoas interessadas em diminuir suas despesas com uma viagem até Bauru (ou de lá até São Paulo) ofereciam lugares em seus carros para outros viajantes. Era bom para os motoristas que salvavam boa parte da despesa do trajeto, mas era melhor ainda para os caroneiros. Saia menos da metade do valor de uma passagem de ônibus e chegava bem mais rápido. Mas o bônus desse tipo de viagem era bacana para ambas as partes da relação: a oportunidade de conhecer pessoas diferentes toda hora. Fiquei nesse esquema viajante por pouco mais de um ano, indo para lá numa média de duas vezes por mês e raras foram as vezes peguei carona com o mesmo motorista. Eram muitas pessoas. E muitas, muitas histórias. Cada uma com uma razão diferente para viajar. Cada um com seus próprios sonhos discutidos, seus próprios pequenos problemas compartilhados e seu próprio gosto musical. Foi assim que fui apresentado ao Bajofondo. Certa vez peguei carona com um simpático casal. A menina era uma loira alta e bonita. O rapaz parecia o Bob Dylan. Estavam juntos há um bom punhado de anos, o suficiente para não terem de esconder nada um do outro. Eu admirava a relação que eles tinham e gostava de pegar carona com eles, mas só tive essa oportunidade duas vezes. Na primeira delas, a garota ouvia um tal gênero meio lounge, bastante suave, completamente viajante. Seu ritmo delirante como um sonho era composto por batidas eletrônicas e acordeões, violinos e vozes em espanhol. Era perfeito para a estrada. Especialmente se a viagem fosse à noite - como na maioria das vezes era. Perguntei se era Gotan Project, pois nessa época minha biblioteca mental só conseguiria associar o som à esse nome. "Melhor ainda que Gotan Project", foi a resposta dela. À partir desse dia fui fisgado pelo disco "Mar Dulce" e por toda a mistura de ritmos dessa banda tão excepcional. A maestria com que eles mesclam ritmos computadorizados com instrumentos clássicos do estilo musical argentino é tão grande quanto a destreza de dois dançarinos de tango ao fundir o sexual e o romântico numa dança certeira e penetrante. Zitarrossa se tornou minha canção preferida do disco. Talvez haja uma ironia aí. Essa canção é a mais orgânica do álbum. Não é tão eletrônica quanto o resto, embora sua batida seja precisa e os efeitos sonoros muito agradáveis. A mixagem na voz da cantora e do próprio Alfredo Zitarrossa, é impecável, com a alternância de discursos sendo um ponto essencial na viagem dessa obra prima. O ponto mais alto, no entanto é exatamente o oposto da modernidade. Trata-se de um dedilhado no violão, tão primoroso e delicioso de ouvir que torna qualquer outro instrumento ou efeito, desnecessário. O violão está presente em todos os momentos. No começo, é apenas uma sucessão de acordes que casa perfeitamente com o ritmo tranquilo. No entanto, quando a apresentadora diz o nome do homenageado, somos presentados com o citado dedilhado. Esse trecho é perfeito em todos os sentidos mensuráveis e conceituais. Dizem que Alfredo Zitarrossa foi um importante jornalista e músico uruguaio. Infelizmente, ainda não conheço nada à seu respeito, mas se a homenagem aqui prestada faz jus aos seus feitos, posso concluir que o homem foi grande em vida. Ouvindo esse violão, essa batida e essa viagem - apenas com essa informação - posso concluir que Zitarrossa fez coisas boas para esse mundo. Posso dizer que seus atos - seja lá quais forem - trouxeram amizade e sabedoria às pessoas à sua volta. Sua proeza se reflete nas mãos competentes de uma banda de outro país. Assim como essa interligação é mágica e bonita, o fato de ela ter chegado à mim numa carona noturna pelas estradas da vida, só torna tudo ainda mais fascinante ;)
Alfredo Zitarrossa. O Johnny Cash uruguaio.
Comentários