Coeficiente U2 evidencia o caráter exploratório das organizadoras
Há quem reclame do preço dos ingressos dos shows atualmente. Há quem aceite, encarando-os como mais uma das altas contas a se pagar por viver no Brasil. Alguns poucos boicotam ou ignoram os shows. E muitos continuam comprando, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Pertenço ao grupo dos que reclamam e boicotam. Acredito no boicote, mas não na reclamação. Deixei de ir em shows grandes há tempos, mas sei que reclamar da vida não ajuda em nada a melhorá-la. Portanto, decidi fazer esse estudo comparativo para mostrar ao público o quanto estamos sendo explorados continuamente pelas organizadoras. Afinal, com informação eliminamos a desculpa de que "a vida é assim mesmo" e podemos questionar melhor e até decidir melhor se vale a pena ou não ir à um show. Sei que há muita emoção envolvida na compra de um ingresso para um show, especialmente shows de bandas queridas, mas como profissional de marketing, sei que a emoção pode ser o pior inimigo de um cidadão comum no ato da compra.
Para começar a análise, escolhi um dos primeiros grandes shows que fui na vida: U2, turnê Vertigo, em 2006. O motivo da escolha desse show se dá por algumas razões:
1. Foi um show danado de bom.
2. Trata-se de uma grande banda - uma das maiores do mundo - e portanto mais fácil de comparar com outros shows grandes da atualidade.
3. O show foi há exatos 10 anos, o que dá uma amostra interessante da evolução dos preços em uma década.
4. Naquela época ainda não havia a violadora Pista VIP, ou mais precisamente, qualquer ingresso de pista poderia ser VIP o que torna ainda mais curiosa a comparação.
5. Naquela época o Brasil ainda não era parte das turnês de todas as bandas. Os shows ainda eram oportunidades únicas de ver uma banda tocar. Hoje em dia shows viraram negócio. Isso ajuda a entender a evolução cretina dos preços.
Para analisar os preços da maneira mais justa possível, decidi seguir alguns parâmetros nesse estudo:
1. A análise se dá sempre com o valor inteiro dos ingressos, uma vez que nem todos têm acesso à meia.
2. O preço da pista do U2 em 2006 será comparado à pista normal e à pista VIP de hoje, afinal, como já mencionei, naquela época qualquer ingresso dava direito ao local mais especial do show, bastando chegar cedo, de modo que todos eram VIPs.
3. Os valores são sempre aproximados. Não sou nenhum matemático ou economista, mas tentei chegar ao valor mais próximo da realidade dentro do que as capacidades de um cara de humanas permite.
4. Os valores comparados são sempre nos ingressos Tipo Pista. Supõe-se que a mesma evolução acompanhe os setores de arquibancada.
Como você pode ver na imagem acima, em 2006, paguei R$100 na meia entrada de estudante para o show do U2. Isso quer dizer que o ingresso em seu valor inteiro era de R$200.
Tomando como base o valor de R$200, pesquisei sobre a inflação nos últimos 10 anos. A inflação é sempre variável: em alguns anos menor e em outros, como esse 2015, absurda. Tirei uma média dos 10 anos e cheguei ao valor de 5,9%. Ou seja, o ingresso de valor inicial R$200 sofre atualização anual de 5,9% de maneira composta. Dessa forma cheguei ao Coeficiente U2, o valor reajustado para 2016 do mesmo ingresso do U2 da turnê Vertigo. Se fosse realizado este ano, o show custaria R$354,42.
De maneira simples, caso você tenha dúvidas sobre se está sendo violado ou não pelas organizadoras de shows, pergunte-se o seguinte: o valor que estão cobrando para ver uma grande banda é superior a R$355? Claro, existem grandes bandas e grandes bandas. Se a diferença for pequena e a banda, em sua opinião, for maior que o U2, justifica-se o aumento. Mas caso contrário, sim, você está sendo violado.
Para tornar a coisa ainda mais interessando, fiz aqui algumas pequenas comparações do Coeficiente com shows grandes que aconteceram recentemente ou que ainda estão para acontecer. Confira a tabela (clique para aumentar):
Percebe-se na tabela acima que praticamente todos os shows estão acima do Coeficiente U2. David Gilmour, por exemplo custa 12% a mais do que deveria custar. No caso dos Rolling Stones, um aumento no valor seria esperado uma vez que se trata de uma das mais lendárias bandas de Rock, integrante da primeira legião de bandas e maior sobrevivente da história da música. Ainda assim, um aumento de 23% no valor soa levemente abusivo.
Quando falamos nas asquerosas Pistas VIP a coisa degringola de vez. No show do Ex-Pink Floyd o Coeficiente U2 subiu incríveis 238%. Isso quer dizer que se você foi à esse show nesse setor, as organizadoras exploraram nada menos que R$845 da sua conta bancária. No caso dos Rolling Stones o aumento é de "apenas" 153% ou uma Taxa de Exploração de R$545.
Interessante notar que há eventos que respeitam o Coeficiente U2. Coldplay, por exemplo, possui ingressos no valor adequado, apenas 1% mais caros do que o esperado. Obviamente não há comparação entre U2 e Coldplay em termos de produção musical e história, mas por se tratar de uma banda bastante popular nos últimos anos, bom saber que não houve exploração, pelo menos quando comparamos as Pistas Normais. No caso da ordinária Pista VIP, a coisa não vai tão bem. Afinal, o ingresso sai 91% mais caro do que deveria. Taxa de Exploração rolando em torno de R$325.
Maroon 5, outra das bandas que não chega ao pés de um U2, mas que domina as rádios, Youtubes e o coração da garotada é a única da lista com o valor mais baixo do que o Coeficiente. Os ingressos vendidos por R$320 estão 10% mais baratos do que o U2 reajustado para 2016. Infelizmente a exploração persiste na Pista VIP, com valores 83% mais caros, resultando em exploração de R$295.
Apenas à título de comparação inclui na análise o Lollapalooza 2016. O preço do Lolla-Pass de 1 dia é R$440. O valor é 23% superior ao Coeficiente U2, mas por se tratar de um festival com mais de 10 bandas, o valor não está tão caro assim. Na verdade soa bastante justo. E graças aos bons Deuses do Rock, pelo menos nesse único caso, não há a repugnante Pista VIP. Ou seja, pelo menos aqui a coisa é como na época em que os shows eram bons: todos eram VIPs. Confesso que essa análise até me fez pensar em comprar um Lolla-Pass ;)
Como dito acima, não vale a pena reclamar. Um dos conceitos mais básicos do mercado é a lei de oferta e demanda. Não há porque cobrar mais barato quando há público disposto à pagar caro. Enquanto houver gente feliz pagando preços abusivos, principalmente nas imundas Pistas VIP, os preços dos ingressos só tendem à subir. O fato das vendas esgotarem sempre muito rápido mostra que há gente mais que suficiente para suprir a demanda.
Acontece que muita gente faz isso inconscientemente. Afinal, trata-se do U2! Dos Rolling Stones! Do Paul McCartney! (Ou pior: do recém-financeiramente-ressuscitado-Guns N'Roses! Arghhh) Há um fator emocional agindo fortemente e as organizadoras sabem disso e atacam justamente aí.
Procuro com essa análise jogar um pouco de reflexão no público para que pensem bem em como estão gastando dinheiro nos shows. Não sou ninguém para dizer como essa ou aquela pessoa deve gastar seu dinheiro, mas como tudo é interligado nesse mundo maravilhoso eu, inocente, acabo sendo vítima da miserável Taxa de Exploração. Sim, existe uma Taxa de Exploração e ela é evidente nessa simples comparação. Uma coisa é a demanda agir impulsivamente sem perceber o que faz. Mas uma vez que faz isso consciente da Exploração (sua e dos outros), então aí ela não apenas endossa, mas incentiva a própria condição de explorada ;)
Há quem reclame do preço dos ingressos dos shows atualmente. Há quem aceite, encarando-os como mais uma das altas contas a se pagar por viver no Brasil. Alguns poucos boicotam ou ignoram os shows. E muitos continuam comprando, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Pertenço ao grupo dos que reclamam e boicotam. Acredito no boicote, mas não na reclamação. Deixei de ir em shows grandes há tempos, mas sei que reclamar da vida não ajuda em nada a melhorá-la. Portanto, decidi fazer esse estudo comparativo para mostrar ao público o quanto estamos sendo explorados continuamente pelas organizadoras. Afinal, com informação eliminamos a desculpa de que "a vida é assim mesmo" e podemos questionar melhor e até decidir melhor se vale a pena ou não ir à um show. Sei que há muita emoção envolvida na compra de um ingresso para um show, especialmente shows de bandas queridas, mas como profissional de marketing, sei que a emoção pode ser o pior inimigo de um cidadão comum no ato da compra.
U2 no Brasil há 10 anos. Foto: Divulgação.
Para começar a análise, escolhi um dos primeiros grandes shows que fui na vida: U2, turnê Vertigo, em 2006. O motivo da escolha desse show se dá por algumas razões:
1. Foi um show danado de bom.
2. Trata-se de uma grande banda - uma das maiores do mundo - e portanto mais fácil de comparar com outros shows grandes da atualidade.
3. O show foi há exatos 10 anos, o que dá uma amostra interessante da evolução dos preços em uma década.
4. Naquela época ainda não havia a violadora Pista VIP, ou mais precisamente, qualquer ingresso de pista poderia ser VIP o que torna ainda mais curiosa a comparação.
5. Naquela época o Brasil ainda não era parte das turnês de todas as bandas. Os shows ainda eram oportunidades únicas de ver uma banda tocar. Hoje em dia shows viraram negócio. Isso ajuda a entender a evolução cretina dos preços.
Para analisar os preços da maneira mais justa possível, decidi seguir alguns parâmetros nesse estudo:
1. A análise se dá sempre com o valor inteiro dos ingressos, uma vez que nem todos têm acesso à meia.
2. O preço da pista do U2 em 2006 será comparado à pista normal e à pista VIP de hoje, afinal, como já mencionei, naquela época qualquer ingresso dava direito ao local mais especial do show, bastando chegar cedo, de modo que todos eram VIPs.
3. Os valores são sempre aproximados. Não sou nenhum matemático ou economista, mas tentei chegar ao valor mais próximo da realidade dentro do que as capacidades de um cara de humanas permite.
4. Os valores comparados são sempre nos ingressos Tipo Pista. Supõe-se que a mesma evolução acompanhe os setores de arquibancada.
Ingresso do U2 em 2006 comprovando o valor pago. Foto: Acervo Pessoal de Ingressos de Felipe Andarilho
Como você pode ver na imagem acima, em 2006, paguei R$100 na meia entrada de estudante para o show do U2. Isso quer dizer que o ingresso em seu valor inteiro era de R$200.
Tomando como base o valor de R$200, pesquisei sobre a inflação nos últimos 10 anos. A inflação é sempre variável: em alguns anos menor e em outros, como esse 2015, absurda. Tirei uma média dos 10 anos e cheguei ao valor de 5,9%. Ou seja, o ingresso de valor inicial R$200 sofre atualização anual de 5,9% de maneira composta. Dessa forma cheguei ao Coeficiente U2, o valor reajustado para 2016 do mesmo ingresso do U2 da turnê Vertigo. Se fosse realizado este ano, o show custaria R$354,42.
De maneira simples, caso você tenha dúvidas sobre se está sendo violado ou não pelas organizadoras de shows, pergunte-se o seguinte: o valor que estão cobrando para ver uma grande banda é superior a R$355? Claro, existem grandes bandas e grandes bandas. Se a diferença for pequena e a banda, em sua opinião, for maior que o U2, justifica-se o aumento. Mas caso contrário, sim, você está sendo violado.
Para tornar a coisa ainda mais interessando, fiz aqui algumas pequenas comparações do Coeficiente com shows grandes que aconteceram recentemente ou que ainda estão para acontecer. Confira a tabela (clique para aumentar):
Fig 1.0 - Análise Comparativa do Coeficiente U2 com outros shows da atualidade. Arquivo: Felipe Andarilho.
Percebe-se na tabela acima que praticamente todos os shows estão acima do Coeficiente U2. David Gilmour, por exemplo custa 12% a mais do que deveria custar. No caso dos Rolling Stones, um aumento no valor seria esperado uma vez que se trata de uma das mais lendárias bandas de Rock, integrante da primeira legião de bandas e maior sobrevivente da história da música. Ainda assim, um aumento de 23% no valor soa levemente abusivo.
Quando falamos nas asquerosas Pistas VIP a coisa degringola de vez. No show do Ex-Pink Floyd o Coeficiente U2 subiu incríveis 238%. Isso quer dizer que se você foi à esse show nesse setor, as organizadoras exploraram nada menos que R$845 da sua conta bancária. No caso dos Rolling Stones o aumento é de "apenas" 153% ou uma Taxa de Exploração de R$545.
Interessante notar que há eventos que respeitam o Coeficiente U2. Coldplay, por exemplo, possui ingressos no valor adequado, apenas 1% mais caros do que o esperado. Obviamente não há comparação entre U2 e Coldplay em termos de produção musical e história, mas por se tratar de uma banda bastante popular nos últimos anos, bom saber que não houve exploração, pelo menos quando comparamos as Pistas Normais. No caso da ordinária Pista VIP, a coisa não vai tão bem. Afinal, o ingresso sai 91% mais caro do que deveria. Taxa de Exploração rolando em torno de R$325.
Maroon 5, outra das bandas que não chega ao pés de um U2, mas que domina as rádios, Youtubes e o coração da garotada é a única da lista com o valor mais baixo do que o Coeficiente. Os ingressos vendidos por R$320 estão 10% mais baratos do que o U2 reajustado para 2016. Infelizmente a exploração persiste na Pista VIP, com valores 83% mais caros, resultando em exploração de R$295.
Rolling Stones: 55 anos causando endividamentos. Foto: Divulgação.
Apenas à título de comparação inclui na análise o Lollapalooza 2016. O preço do Lolla-Pass de 1 dia é R$440. O valor é 23% superior ao Coeficiente U2, mas por se tratar de um festival com mais de 10 bandas, o valor não está tão caro assim. Na verdade soa bastante justo. E graças aos bons Deuses do Rock, pelo menos nesse único caso, não há a repugnante Pista VIP. Ou seja, pelo menos aqui a coisa é como na época em que os shows eram bons: todos eram VIPs. Confesso que essa análise até me fez pensar em comprar um Lolla-Pass ;)
Como dito acima, não vale a pena reclamar. Um dos conceitos mais básicos do mercado é a lei de oferta e demanda. Não há porque cobrar mais barato quando há público disposto à pagar caro. Enquanto houver gente feliz pagando preços abusivos, principalmente nas imundas Pistas VIP, os preços dos ingressos só tendem à subir. O fato das vendas esgotarem sempre muito rápido mostra que há gente mais que suficiente para suprir a demanda.
Acontece que muita gente faz isso inconscientemente. Afinal, trata-se do U2! Dos Rolling Stones! Do Paul McCartney! (Ou pior: do recém-financeiramente-ressuscitado-Guns N'Roses! Arghhh) Há um fator emocional agindo fortemente e as organizadoras sabem disso e atacam justamente aí.
Procuro com essa análise jogar um pouco de reflexão no público para que pensem bem em como estão gastando dinheiro nos shows. Não sou ninguém para dizer como essa ou aquela pessoa deve gastar seu dinheiro, mas como tudo é interligado nesse mundo maravilhoso eu, inocente, acabo sendo vítima da miserável Taxa de Exploração. Sim, existe uma Taxa de Exploração e ela é evidente nessa simples comparação. Uma coisa é a demanda agir impulsivamente sem perceber o que faz. Mas uma vez que faz isso consciente da Exploração (sua e dos outros), então aí ela não apenas endossa, mas incentiva a própria condição de explorada ;)
Comentários
Seria interessante adicionar a taxa de sacanagem cobrada quando o ingresso não é comprado direto da bilheteria.